quinta-feira, 25 de setembro de 2008

o teu livro já não é teu... é também meu!


Reli o teu livro... aos poucos...
ao sabor das ondas... que vão e vêm, de mansinho!

Imagino um mar sereno e eu,
pairando sobre ele e eu,
mergulhando nele.

Relembro o teu livro, Joaquim Jorge, prestando-lhe(te) homenagem através das doces e sentidas palavras do Francisco.
Palavras daquelas que enchem tudo...

Obrigada pelas belas palavras do teu livro, que motivaram das mais belas palavras que alguma vez me foram dirigidas...

Ei-las... as palavras do Francisco, irremediavelmente enleadas, presas nas redes das tuas...


«Eu não gosto do mar.
Não gosto do surdo marulhar das ondas. Não gosto da espuma revolta formando-se em catadupas por sobre a areia.
Vislumbro no azul do mar tons traiçoeiros e nervosos.
Cansa-me a planura do horizonte.
Às vezes, para me desculpar, digo que não sou filho de marinheiros, antes de gente que solidificou gerações na solidez da terra húmida e fértil.

Eu não gosto do mar. Mas amo uma mulher que ama o mar.
E quando vejo o mar nos olhos dela, vejo o mar de outra maneira, vejo o mar através dos olhos dela. E já dei comigo a amar o mar nela.

Ao ler o mais recente livro do Joaquim Jorge, voltei a vacilar na minha relação com o mar.
Num posfácio de Daniel Abrunheiro acabo de ler: “… os montes, as serras, as montanhas – são mares petrificados.”
E esses mares eu amo, com toda a intensidade de quem não sabe viver sem o verde, sem os infindáveis tons de verde dos mares petrificados.
Nos mares petrificados que tanto amo, reconheço o que Daniel diz: “Nos montes interiores as pedras são feitas de espelhos: o céu tem caruma, a resina neva, as veredas enchem-se de bandoleiros pobres. O bandoleiro mais pobre é o coração”.

Um livro, nascido do seio de um escritor, deixa de lhe pertencer depois de lido.
A Inquietação de Barcos, do meu amigo Joaquim Jorge, que acabo de ler, é agora, também, meu.
E começou por o ser através das palavras do Daniel que acabo de citar.
O Joaquim Jorge, na sua admiração pelo Daniel, me perdoará.

Mas quero que saibas, Joaquim Jorge, que ao ler o teu livro, peguei no telefone e liguei para a minha mulher, para lhe ler o teu poema Astronomia:

“A Terra à volta do Sol: / Movimento de translação da Terra / A Terra à volta de si própria: / Movimento de rotação da Terra / Os meus olhos à volta de Ti: / Movimento de admiração da Terra”.
Do outro lado ouvi:
– Que bonito… E um emocionado “há tanto tempo que não me lias poesia…”
É verdade, há tanto tempo que não namorava nas palavras de um poeta.
Devo-te mais isso Joaquim Jorge!

E revejo-me na tua Sereia:
– “Quando o barco chegou da faina, Manuel, / Interroguei-te de novo. Sobre as redes / Dissestes que havia chicharros, gaiado, / Atum, polvo, freira, caramujos - / Portanto, Manuel, que não havia sereias. / Amanhã voltarei, confiante ainda.”
Eu seria capaz, JJ, de voltar todos os dias na esperança das sereias

Revi nas tuas palavras o Segredo do mundo:
– “A concha disse-me ao ouvido o segredo do mundo: / Aquele que habitar os olhos da Mulher / Tocará nas estrelas e na dor dos deuses.”
Já me sucedeu habitar os olhos da Mulher, tocar as estrelas e a dor dos deuses.
Renovaste-me a esperança…

Reconheço-me no teu Horizonte:
– “Se os teus olhos deixassem / Que os meus olhos visitassem / Os teus olhos verde-mar / Talvez eles lá ficassem / Ou, então, se não ficassem / Quisessem muito ficar…”

E vou usar no meu trabalho e na minha campanha pela participação cidadã o teu poema Rua.
Vou ler a outros, muitas vezes, os últimos versos:
“Mas ai, é tão bonito / Quando há vizinhança boa e antiga – Quando me dizem. A nossa rua / A nossa rua, amigo. Nossa!
Como vês, Joaquim Jorge, o teu livro já não é teu. É também meu. Por tudo o que nele me tocou, por tudo o que senti nele.

E pela dedicatória que me deixaste na primeira página. Que me tocou e que, agora minha, quero partilhar com todos.
Dizes tu:
"Ofereceste-me, certa vez, um livro de Jorge de Sousa Braga, com o título Os Pés luminosos. Foi nele que encontrei um dos mais belos poemas de sempre.
Isto: “É tão difícil guardar um rio / Sobretudo quando ele corre / Dentro de nós”.
Gosto de pensar que essa espécie de rio habita as gentes que valem a pena.
Gosto de pensar que algumas pessoas partilham essa certeza (ou suspeita) de um rio correndo dentro de si.
Gosto de pensar que um rio assim torna a vida (mais) válida e urgente.
É neste rio de nós que se está bem!"

O rio que corre dentro de mim, Joaquim Jorge, é hoje em dia um rio sereno.
Um rio onde se banham as almas e os corpos de muita gente.
Vejo-te lá muitas vezes.
E as águas do meu rio são sempre doces e envolventes para ti.
Carícias de AMIGO. Francisco »

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Tenho uma prima em África…

Este texto poderia começar por…“tenho uma prima em África…”, mas isso não seria suficientemente elucidativo do porquê de o escrever…

Porventura, no final, continuará com uma certa obscuridade o motivo da sua redacção, assim como pouco clara a longa história que está por detrás e conta já, com longos quarenta e três anos de vida.

Este texto deveria ser capaz de transmitir mais do que simples palavras ou ideias ou sentimentos…
deveria ter a capacidade de se metamorfosear, por exemplo…
em cheiros, aromas quentes, daqueles que entram e enchem todos os sentidos…
em sensações na pele, de brisas cálidas e águas tépidas, de texturas selvagens e agrestes…
em sabores, paladares inebriantes, fortes, picantes…
este texto deveria ter a capacidade de saber transmitir os sons das batucadas ao fim da noite a evocar espíritos e demónios e a afastar desgraças…

I had a farm in Africa…” palavras iniciais de um livro que resultou num filme magistral interpretado por magistrais artistas…
às vezes, costumo proferi-las baixinho… porquê? sei lá bem porquê…
–o som agrada-me e conforta-me…
“I had a farm in Africa”-…
Um som que me recorda a mão cheia –vazia?- de recordações que tenho dos poucos mais de nove anos em que lá nasci e vivi.
Apenas e quase só isso!

Sim… este texto deveria saber transmitir toda a minha África nas palavras…
aquela que permaneceu encerrada em mim, incólume, estranha, indecifrável…
…e não aquela que se traduz na prática, tão somente, nas recordações de objectos acumulados –às vezes apenas de pó- na prateleira central da estante da sala, assim à laia de altar ou santuário a umas raízes perdidas. É estranho, mas parece que tenho, que cabe, toda a África na estante da minha sala…


E apercebo-me nitidamente que não sei medir a dimensão da minha África para além disto. Não sei sequer definir o seu grau de importância.

E afinal, é nessa África tão longínqua, a que nunca mais retornei mais uma vez sabe-se lá bem porquê -as viagens são caras, o tempo é curto, a criança é ainda pequena, agora não dá por causa da escola, depois por causa do trabalho, da falta de disposição, do dinheiro, sabe-se lá bem porquê!- que se encontra a minha justificação de ser… o início de todos os inícios daquela mistura mais ou menos incompreensível que sou eu… o princípio e quem sabe? o fim de tudo.

Sinto o aperto das ideias… fará qualquer sentido o círculo?

Já sou portuguesa há tempo demais! A revolução que me trouxe ficou perdida lá bem atrás no tempo, recordam-se dela?

Alguma vez terei sido africana?
A alvura excessiva da minha pele quase me faz duvidar disso…
A África é negra! A África é pele tisnada pelo sol insuportável de quente. Figurativamente, o meu sangue não deveria ser apenas vermelho, deveria ter laivos de preto e das cores intensas do mato.
Fará sentido questionar?
Ou é uma mera casualidade espaço temporal que define a minha naturalidade no BI?
Naturalidade-de-fulana-de-tal:Moçambique… assim tão somente.


Acredito, porém, para além de todas as interrogações e questionamentos retorcidos, que é exactamente essa característica de nascimento que define tudo o que sou e que assumo hoje!

Ao longo de todos estes anos a ligação com essa outra África, aquela que permaneceu distante de mim, foi mantida através de família…
tios e dúzias de primos –uma expressão!- de todos os graus e idades…
família próxima de sangue, mas na maior parte dos casos longínqua de laços…
Dessa família, ligações breves, efémeras até, que a larga distância não ajudou a consolidar.
“Os primos de África”… sujeitos quase etéreos, materializados em encontros fugazes aqui e ali perdidos nos anos ou
em presentes étnicos que pontualmente chegam em forma de capulanas ou bustos de madeiras exóticas e cheirosas…



M
uito de quando em vez, quase a medo, retribuo à minha moda essas ofertas…
- afinal quais são os gostos? os valores? os estares? os sentires?-.

Porém, a vida é um lugar estranho e, por vezes não vezes demais, tem a capacidade de nos surpreender…

Elos surgem através das palavras…e, incrivelmente, percorrem doze mil e tal quilómetros, num ápice. Portugal e Moçambique tornam-se mais próximos, quase um-aqui-ali consentido pelas tecnologias de bytes e satélites.

Lá longe, uma prima lê-me, compreende-me e sente o que expresso como seu, como se só para si fossem as minhas palavras.

E descubro, que é também para ela que escrevo…
que me tento descobrir e redescobrir no seio das minhas tortuosidades.

Uma troca, uma partilha
–quase carinhosa, fará isto sentido?-
que me surpreende…
que a conforta e me conforta!

E mais do que nunca sinto esse apelo das raízes…
– as outras… as do primeiro início!-
e sinto que se criam elos de empatia, tornando a distância e os sentimentos próximos.

Obrigada Guida!
Hoje, são só para ti as minhas palavras.


quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

Todos os direitos estão reservados.

São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.