quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

olhos de pássaro mas asas quebradas!


I
Ensina-me a voar...
a mim,que tenho as asas quebradas!
e...
inerte fico no solo a olhar o azul que me fascina

II
Ensina-me a voar
e...
a deixar-me embalar na brisa
aquela mesma
que anseio me transporte
pelo mundo fora...
pelo sonho dentro...

III
Como vou eu voar?

IV
Quem me ensina a voar?

V
Ensina-me a voar ou
quebra-me as asas de uma vez só
-com pancada certeira-
e cega-me os olhos para que
não vejam o que anseio

VI
mas e o coração?
e o pensamento?
como os quebrar ou cegar?

VII
Como vou eu voar?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Olhos de pássaro...

Três semanas após, percorro de novo o meu rio…numa extensão maior, da nascente à foz, contornando o seu trajecto sinuoso, montanha abaixo, seguindo-o agreste ou lânguido, represado ou livre até sedutoramente se enlear no Tejo que o acolhe ávido…

É diferente desta feita… o desafio foi lançado assim num rompante e, mesmo sem conhecimento de todo e qualquer detalhe, aceite num ápice … contrariando o jeito habitual de agir, excessivamente controlado, disciplinado, recatado até.


Desta vez é efectivamente diferente… não estou só!!! como quase sempre ocorre na sucessão de passeios em que sou 'apenas-eu-e-a-natureza' numa constante busca e compreensão do meu cerne.Quer seja por não estar só, quer seja por a paisagem envolvente nem sempre se apresentar no seu esplendor, o certo é que acabo por me distrair e apenas me concentrar nas pessoas e na sua própria natureza, tarefa indubitavelmente mais exigente. As pessoas são quais caleidoscópios nas suas múltiplas formas de ser e de estar, de se apresentarem e de se mostrarem aos outros, num baloiçar que, naturalmente, adaptam (ou jogam?) em consonância com cada ambiente. A genuinidade é geralmente resguardada, sabe-se lá bem o porquê…. E resguardado o âmago, o “ser” de cada um, o que lhe confere a sua individualidade, o que o torna único perante os demais. Depois, não interessa ser-se genuíno e verdadeiro, as pessoas controem personagens, fachadas, máscaras quer seja por medo, por defesa, por fanfarronice ou simplesmente por falta de conteúdo… o mimetismo prolifera, o mostrar-se, o parecer-se mais que….

Por isso estar atenta à natureza das pessoas revelou-se empreendimento mais árduo...

Observar como estas se moldam às circunstâncias, como as vivem, como as aproveitam, o que trazem, o que deixam ficar, o que levam, o que sobra!
Distraio-me de mim, com os outros! 

É engraçado tentar perceber os círculos de atracção ou de poder… as danças subtis e menos óbvias dos personagens que compõem a história… como a jovem que mesmo com o namorado a seu lado (convenhamos que algo sensaborão, diria até desenxabido) não se escusa a fazer charme a forças porventura superiores ou o borboletar de homens mais velhos ou com moral assaz mais duvidosa em torno das flores mais atraentes ou ainda a picardia dos mais aventureiros ou as gabarolices de outros tantos pelas façanhas e destrezas do todo-o-terreno.

Torna-se interessante este meu olhar. Porventura, os olhares que recaem sobre mim terão contornos idênticos... sei que estou transparente... sei que sou transparente... tal como a água cristalina que observo de um Zêzere ainda puro...
mas não quero saber...

Há momentos que registo e me enternecem… aprecio casais que não escondem o que sentem perante os outros.


Com o sinuoso percurso, entre solavancos, curvas e reveses, o corpo apesar de achocalhado deixa espaço para a mente se ocupar com quem a rodeia. 


O Zêzere vislumbra-se aqui e acolá a dar mote ao passeio e recordando-me permanentemente desta minha relação íntima e cúmplice com o mundo exterior.

Sentirei pena daqueles que se levantarão no dia seguinte, cansados e doridos destas suas incursões pelas províncias, levando agarrada aos pneus a lama das terras que percorreram para gáudio dos vizinhos gulosos de notícias frescas. Terei pena daqueles que terão de percorrer trajectos infindáveis entre betão e alcatrão esburacado, entre tráfego intenso de ‘pára-arranca’.

Sentirão eles, porventura, pena de nós -dos que cá ficam e vivem- que apesar dos apenas cinco minutos de percurso entre a casa e o trabalho, se debatem diariamente com os “marasmos” e a lassidão do viver no interior?

Questão eterna esta, dualidade presente, entre o ser-se do campo e o ser-se da cidade, numa articulação permanentemente desencontrada e em que os que cá estão mostram o desgaste da luta quotidiana.

Olho em torno de mim. A Primavera ainda não chegou mas pressinto-a nos rebentos das árvores, ainda tenros e frágeis e nas flores silvestres que pontilham os prados… num recanto, a primeira borboleta do ano, alva de cor, foge de mim…

Sinto que as pessoas em meu redor estão ávidas de calor, de luz, de ar, de espaço amplo, de descontracção, de se exibirem até…
Observo-as no seu rodopiar ao sol… nos seus rituais sociais.
Nas suas investidas e evasivas, tento vislumbrar mais para além do que mostram… às vezes, consigo vislumbrar várias pessoas numa só…

Comparo-as à natureza… crio imagens e paralelismos… invento histórias e enredo-me em argumentos… sorrio para dentro e rio-me com os meus próprios disparates.
Sinto-me a flutuar observando a paisagem e quem me rodeia com olhos de pássaro…
Apesar dos meus pensamentos soltos...

não me esqueço que desta vez não estou só, existe uma 'equipa' ...
e é muito boa essa sensação porque, em conjunto...
percorremos as margens do rio… resvalamos… voltamos a ‘navegar’… escorregamos… trepamos… fotografamos… enchemo-nos de lama… desafiamos o equilíbrio… cantarolamos… atolamos… rimos… continuamos a fotografar… paramos para ver –ou não ver- o que se passa… rimos mais… derrapamos… alcançamos chão firme.
tudo recomeça uma e outra vez...
Os dois dias passam e de tanto olhar os outros… esqueço-me de olhar para mim própria…
Às vezes sinto -por breve instantes apenas- que faço parte de algo maior. É, no entanto, uma sensação só minha… sei que para os demais é apenas um momento. Para mim, será o marco, o fim de uma etapa de vida… o reinventar-me e renascer para um novo ciclo…
Baixo as defesas…

foge-me saltitante a disciplina a que me imponho habitualmente… absorvo o sol no rosto e deixo-o entrar para dentro…

aceito o entusiasmo dos outros, partilho-o e sinto-o como meu, porém, sem qualquer expectativa ou pretensão de mais ou de diferente. Pelo menos por agora, basta-me o momento para me encher os sentidos!

Assumo o que sou! Fico alegre! E... sinto-me feliz!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O valor de uma data! ou será... o valor de uma pessoa para além de uma mera data?



Não sou uma pessoa que valorize os acontecimentos pelas datas, exceptuando os aniversários de nascimento em que a aparente trivialidade do“feliz aniversário” se assume como apenas uma forma de dizer aos amigos ou à família “lembrei-me de ti!” ou “gosto de ti!” por outras palavras.

Para além disto, as datas passam-me todas habitualmente ao lado.
Talvez a maior ilustração seja este exemplo. A minha avó Glória era para mim uma amiga por inteiro. Com 92 anos e ainda arrancava dela sorrisos de cumplicidade e rasgos de total amor e compreensão. Tudo o que eu fazia, era perfeito a seus olhos. Faleceu, sorrindo, feliz por estar à minha beira (dava-lhe eu o jantar)... não me recordo em que dia, às vezes nem sequer o mês. É sempre a minha mãe que insiste na data. A minha avó para mim está viva e surge-me nos momentos mais inesperados... quando passo na auto-estrada junto a Cacia, ali para os lados de Albergaria-a-Velha e o terrível odor da celulose me invade as narinas de rompante. Já se riram várias vezes de mim: - Então o mau cheiro faz-te lembrar a tua avó? questionam. A verdade é que a minha avó sempre viveu numa terra que soube sobreviver com esse odor, desde que nos finais dos anos cinquenta a fábrica se instalou nas cercanias. Quando o vento estava de feição (o que neste caso soa até a contrasenso), o cheiro invadia os campos, as casas, as pessoas. Por isso, aquele cheiro recorda-me a terra da minha avó, o quintal da minha avó, a casa da minha avó e a minha própria avó. E quando passo na A1 com vento de feição, lacrimejo sempre um pouco na recordação do seu amor e ela surge-me com aquele olhar simultaneamente trocista e sobranceiro que a caracterizava e que por vezes pressinto em mim. Outras vezes vejo-a no jantar de Natal, assim à testeira da mesa a fazer as honras da casa e mudas considerações sobre todos e olho-a percebendo, exactamente, o que ela está a pensar...
é mais ou menos desta maneira que eu me recordo das pessoas que amei, que amo e que, desse modo, permanecem vivas em mim. O meu amor mantém-nas vivas.
Tenho uma agenda onde aponto os principais compromissos mas é frequente eu perder-me no meio da semana ou do mês e não saber exactamente “a quantas ando!” –O quê já estamos no fim do mês? ou –Julguei que era na próxima semana! são frases quase habituais em mim. Às vezes, a minha mãe diz-me: Olha foi neste dia que aconteceu isto ou aquilo e eu, perplexa, penso –É pá, já passou tanto tempo!; ou então –Foi nesta altura, mesmo? Tens a certeza, não estás enganada? Para mim os acontecimentos valem por si e apenas os associo ao facto de me terem marcado por algo de bom ou por algo de mau, por estar calor nesse dia ou então um frio gélido, pela partilha de momentos ou situações com alguém ou ainda porque os associo a um sabor, a um objecto, a um cheiro, a um sentido, a uma paisagem, a um sentimento determinado. É mais ou menos assim que assinalo as efemérides... sem data marcada, mas com lugar cativo pelo seu simbolismo. Todo este rodopiar em torno do assunto assim como que para amornar os sentidos e me preparar para o que desejo efectivamente expressar.
Enfim, já deu para perceber que não sou uma mulher que me recorde de datas...
...porém, esta data! Este dia! insinua-se desde há um ano em mim, assim como numa marcação cerrada do compasso de tempo, numa contagem descrescente ou crescente consoante a perspectiva.
Há um ano que o Francisco vive em mim de uma outra forma...
quando lhe recordo a voz profunda e pausada a falar-me das ideias e dos projectos com seguras e enleadas doses de lucidez e marginalidade...
quando me recordo do seu ar de menino travesso e irrequieto apesar da compostura aparente, a deixar-me perceber no seu olhar a promessa de mil sonhos e aventuras...
quando relembro o seu sorriso guloso perante os quase pecaminosos manjares da minha mãe... ou o seu ar de quem sabe-sempre-tudo-sobre-tudo nas opiniões que formulava e que por vezes tão irritada me deixavam porventura pela minha própria ignorância perante tão extrema sapiência. De quando em vez, afirmava até com aquele ar de doutrinal convicção que era um ser perfeito só para me arreliar e ver torcer e contorcer perante a enormidade de tal pretensão... e ria-se, ria-se.

Outras vezes não se ria... ficava com um ar sisudo de quem cria em torno de si uma auréloa de protecção do tipo “não-me-toquem-não-me-falem-e-deixem-me-em-paz”. Mas mesmo quando em ebulição, em transe, em delírio ou em simples apatia –estados habituais e a ele naturalmente intrínsecos-, o olhar mantinha-se inalterado na sua forma de ver e sentir as coisas… um olhar de pássaro, cheio de poesia, voando sobre a realidade dos homens.Passou um ano... às vezes parece que não passou tempo quase nenhum e outras vezes parece que de permeio se passaram múltiplas vidas...
O Francisco marcava todos os que consigo privavam e por isso mesmo marcou para sempre muitas coisas, muitos momentos, muitas pessoas.
Marcou uma casa, uma terra, uma história. E, de uma certa forma passou a ser ele próprio parte da história daquela casa e daquela terra.
Marcou pessoas de outras paragens e que por todo o mundo se recordam de si como marcos nas suas vidas.
Marcou colegas, marcou amigos que se recordam da sua escrita, do seu conhecimento profundo sobre todas as coisas e da sua opinião vincada.
Marcou-me a mim e dessa forma vive no sorriso que lhe recordo, no som da voz, nos ideais que partilhámos. A ele lhe devo ter aprendido a deixar crescer o mundo em mim, aquele que existe na minha cabeça, no meu pensamento, no meu coração... ou a moldar a forma do meu olhar sobre as pessoas e os seus quotidianos... ou ainda a apercerber-me do conspirar da borboleta no seu breve toque na flor, porque simplesmente “me apetece, caramba!”, ouço-lhe a voz a afirmar.
Será certo que as pessoas dirão o que dizem habitualmente: -faz um ano que morreu ou que partiu ou que se foi ou que Deus o levou, coitadinho! que estava tão doente e em tão grande sofrimento! Se calhar até lhe mandarão rezar missas pela alma, num acto e ideologia que com a vida aprendeu a abominar. Mas para mim perfaz um ano que não ouço a sua voz, que não sinto o seu incentivo aos meus sonhos mais amplos, aqueles que são mais-além, que não vejo o seu olhar a percorrer o mundo num ápice, que não tenho os seus elogios iguaizinhos aos da minha avó para quem eu era perfeita ou a proferir, convicto dessa verdade, que era eu o seu anjo na terra, que não embarco nas suas historietas do Camilo, da avó-baronesa, das japoneiras, das tertúlias ou das terras da Ribeira.
Porque quando releio as suas palavras é como se o Francisco estivesse mesmo aqui com toda a sua venerável confiança e com histórias para contar e aventuras para viver quer fossem no meio de uma picada de Cabo Verde ou do Brasil quer mesmo outras tantas vezes vividas no aconchegante sofá da sala de estar, ou não fosse ele Homem do mundo de vida intranquila e desassossegada que mesmo fincando raízes no solo voga sonhador em torno do seu jeito meio etéreo de ser.É estranho, mas sinto e não sinto saudade!
Tenho um amigo –mais seu até- que às vezes me telefona e diz: -Olha, quero que saibas que agora, neste momento, estou a beber um copo em honra do Francisco! E como eu o entendo… é mesmo assim que tornamos eternas as pessoas… a lembrar-nos delas das formas mais corriqueiras, mais comezinhas do dia-a-dia… - Lembrei-me de ti e bebo um copo em tua honra e em homenagem à tua amizade e àquilo que representastes e representas para mim.
Hoje não relembro os 365 dias que o Francisco não esteve aqui, recordo a sua marca boa em mim e nas pessoas. Assumidamente eterna!

E porque “me apetece, caramba!” partilho convosco que são meus amigos e muitos de vós que foram e são seus amigos também, uma dúzia dos milhares de textos que mais do que escritos tinha na sua cabeça a martelar o futuro livro das palavras ainda não redigidas. Certamente acharia piada a estas minhas divagações e afirmaria: -“como são deliciosas as tuas palavras”… ficando a saboreá-las por dentro, considerando o peso da sua verdade. Depois olhar-vos-ia a todos os que me lêem a falar de si e com um semblante a raiar entre o sério e o travesso lançaria um “bem-haja a todos”.

Fará tudo isto qualquer sentido?

Sei lá… decididamente não me apetece ser lúcida…
  • Sinais de Civilização
  • Os meus vizinhos já não acreditam em mim!
  • Raízes 2- a lenta construção das raízes
  • A propósito de brinquedos
  • Hoje a lua está cheia
  • Sobre tertúlias... variações à volta de filmes de western
  • Raízes 1
  • Da Catalunha ao Brasil, ementas originais
  • De quantos pelos se faz uma barba
  • História da minha ida ao futebol
  • Notas de uma fugaz passagem pela capital
  • Exorcismo para uma morte
  • Obrigado Eugénio!
  • (Aviso à navegação) Urinóis
  • Esquemas de saúde
  • Ao meu amigo Joaquim Jorge
  • Plenitude

Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

Todos os direitos estão reservados.

São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.