domingo, 25 de maio de 2025

sábado, 17 de maio de 2025

O telefonema...

 












Olá Maria. Obrigada por me telefonares. Obrigada por te preocupares. Obrigada por estares sempre aí para mim. Desculpa o meu silêncio. Não tenho andado muito bem.

Não te quero aborrecer com as minhas fragilidades. Não é nada de especial.

Está bem, eu falo. 

Sabes, às vezes queria mais da Vida. Sei lá, queria alguém ao lado para me acompanhar o olhar e o sentir, para me fazer crescer como pessoa e mulher, para me falar e me escutar histórias sobre tudo e nada, para partilhar silêncios e cumplicidades, para dar a mão, para rir, para abraçar e nos confortarmos. Coisas dessas, percebes?

Não exijo da vida mais do que partilhar o melhor de cada um.

Talvez dependa só de mim. Mas já não acredito nessa premissa. Cheguei à conclusão há muitos, muitos anos atrás que não sou o estilo de alguém.

E a vida, vez e outra, força-me aos dias iguais, aos sentimentos iguais, àquela banalidade implícita na rotina, nas vivências recorrentes, pese embora eu me force a mudar a forma como olho os acontecimentos, as coisas, as pessoas.

Às vezes queria mais Vida, Maria! Mas como alterar o ciclo? Aquele que não nos pede opinião, que nos exige presença e responsabilidade, mas que não nos confere estatuto de especial, diferente, única na vida de alguém?

Talvez seja de mim, só de mim. Afasto as pessoas com a minha forma de ser, a minha independência, a minha profundidade, o meu pensamento. Mas é tão estranho, porque sou tão simples de agradar. Basta olharem-me com Ternura e vontade de conhecer. E ficarem por perto. Não sou exigente. Não quero nós nem amarras, apenas laços, apenas afecto.

E os anos a passar num ritmo frenético sem deixar grandes marcas, daquelas que queremos valorizar como memórias gratas. O tempo não nos dá tempo para saborear os momentos. À minha volta vejo pessoas que se vão encaixando em relações mais ou menos felizes enquanto eu permaneço nesta solidão que tanto aprecio, confesso, mas que também renego e me faz triste.

Já sei que me vais dizer que sou exigente. Não tem a ver com o aspecto, ou com o estatuto, ou a inteligência. Sim, tudo isso é importante para criar algo com alguém, mas a questão é que eu nem dou espaço para que alguém se aproxime, porque à partida não sinto qualquer ligação. Olho em volta e não há ninguém por quem eu sinta a mínima atracção que seja. Talvez porque tenha medo, ou tenha a certeza, que mesmo que sentisse não daria em nada. Não sou o estilo de ninguém.

Já sei o que me vais afirmar: que sou tola por sentir assim, que sou bonita e ainda jovem, que tenho tanta vida à minha frente. Já sei de cor as tuas palavras. Mas o tempo passa Maria, o tempo passa e eu finjo ter paciência como naquela melodia brasileira. Mas por dentro, o meu pensamento é ebulição em circuito fechado e isso magoa muito, porque me faz sentir inútil.

Não abanes a cabeça, já sei o que pensas, que podia dar hipótese a este ou aquele, que deveria baixar os meus parâmetros. Já me enganei redondamente no passado, não vou fazer de novo os mesmos erros: valorizar quem não me valoriza, dar muito mais do que recebo. Não pode ser assim. Quero reciprocidade. Que me olhem e não condescendam. Que estejamos à altura um do outro. Que nos façamos rir mutuamente. Que tenhamos a mesma forma de ver e sentir as coisas. Porque é tão complicado?

Lá vais vens tu com essa ideia da ‘auto-estima’. Sim, por vezes a minha auto-estima arrasta-se pelo chão, como não se arrastar quando me sinto tão pouco amada ou nada-amada? Por alguém! Por ninguém! Outras vezes consigo ser equilibrada, nunca soberba! 

Tu sabes, Maria, tu sabes isto tudo. É um vazio tão grande que tento colmatar valorizando os outros, os conhecidos, os amigos, a comunidade. Dou o que tenho e o que não tenho. A alegria, o sorriso, a gentileza. Canalizo todas as energias para isso, porque se calhar já perdi a esperança para mim própria. Há anos que assim acontece. Anos e anos e anos.

Espera um pouco, deixa-me chorar um bocado. Ultimamente choro mais. As lágrimas soltam-se mais facilmente, com tudo e com nada. Sempre susceptível, sempre infeliz com a humanidade que se degrada em meu, nosso redor. O mundo à volta não ajuda, com tanto egocentrismo, guerra, ódio, sede de poder.

Obrigada pelo teu carinho. Não sei o que faria sem ti. Tenho, todos os dias, saudades do teu abraço terno de irmã. O teu abraço faz-me bem e dá-me alguma força para persistir.

Mas, Maria, não sei explicar! Será que não há alguém que simplesmente surja e me cative o olhar e que, por benesse do destino, também se afunde no meu olhar e goste de mim?

Está bem, Maria, acena a cabeça e diz que sou eu que não sei observar os sinais. Não sei! Assumo. A minha história de vida não me deu espaço para esse ensinamento, para aprender essas malícias naturais de mulher. Tudo me passa ao lado.

Da vida, só queria amar e ser amada, ao mesmo tempo!

Olha Maria, não consigo dizer mais nada, vou desligar o telefone.
Não te preocupes eu vou refugiando-me nos meus sonhos. Amanhã falamos!
Beijo terno.

Imagem: IA/Canva

quinta-feira, 15 de maio de 2025

resposta?!...


de que servem a simpatia o olhar brilhante o riso fácil e aberto a vontade a ternura a dedicação o interesse o fulgor o ser o estar o querer de que servem a esperança os baques os ecos os requebros cá dentro de que servem o colorido a poesia o desejo a alegria de que servem as palavras que se escrevem tão lindas tão belas tão intensas tão inúteis de que servem os sentidos o afago a ebulição a lava a cautela o controlo a magia a emoção a intensidade o ardor o esquecimento de que servem a melancolia a alegria o abraço o vazio o tudo o nada a tranquilidade o regato o rio os rápidos a corrente a foz o mar as ondas a submersão o afogamento de que servem a confusão a certeza o torpor o sentimento a interiorização a resposta a tranquilidade o sentido das coisas de que servem a solidão a insegurança a estima a questão a dúvida a certeza o estímulo o significado a imaginação o cansaço a vivacidade o medo de que servem o esquecimento o carinho a doçura a luz o sonho a seiva o cerne o âmago a alma de que serve?


Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

Todos os direitos estão reservados.

São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.