quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O SONHO...

Ela olhou para a Amiga com uma quase-pena que não sabia dissimular na expressão preocupada e, carinhosamente, entre afagos e palavras, afirmou-lhe a Amizade:
-Mas és tão bonita, Lídia. Uma pessoa que todos adoram pela forma de estar e de ser, pelo sorriso, pela ternura. Todos te apreciam ou admiram como Pessoa.

Lídia contemplava um ponto distante, olhos e mente embaciadas, titubeando:
-Pois, apreciam como Pessoa! Mas, eu sou uma Mulher também. Normalíssima nas necessidades e sentimentos, no desejo de amor, ternura, companhia. Ninguém me aprecia como Mulher. Nunca ninguém me afirmou: Amo-te! ou, és a Mulher da minha Vida! ou, preciso de ti para ser feliz! Estás a ver? Coisas dessas, quer fossem sérias ou meras lamechices, balelas, seja o que for, nunca ninguém me dedicou essas palavras uma só vez na vida.

E, Lídia, continuou num sopro:
-Sabes qual é o meu maior Sonho, Maria? Não te rias. Ficarei infeliz se sentires compaixão perante um sonho tão insignificante.

Ela abanou a cabeça numa espécie de não-me-rio-de-ti.

-Sabes qual é o meu maior sonho? –prosseguiu- Um dia... um dia, alguém chegar à minha vida e, simplesmente, gostar de mim (reparaste que não utilizei a frase: e, simplesmente, amar-me? Sou pouco ambiciosa. Quando se carece muito qualquer sentimento é grande o suficiente). Que alguém chegue à minha vida e que goste de mim e que me leve a ver o mar. Nesse aspecto, sou mais exigente –sorriu- não é um mar qualquer. É o meu mar de Inverno, aquele que bate arrojado e impetuoso nas rochas de maré-alta da Figueira da Foz. O mar afoito tranquiliza-me. Alguém que goste um pouco de mim, me leve até ao mar, me dê a mão e a aperte com carinho e caminhe comigo de mão-dada pelo passeio até perto do Cabo Mondego. São alguns quilómetros, mas devagar é reconfortante o passeio. Já o percorri várias vezes sozinha, sempre sozinha, com o vento a revolver-me o cabelo e a arrepiar-me a pele. Nessas alturas observo quem passa, não com inveja, mas com tristeza de um futuro inexistente. Como são felizes os casais que passeiam de mão dada! No meu sonho, sentamo-nos no paredão ao fim da avenida e ficamos ali, em silêncio, a compreender a natureza à nossa frente e a nossa própria. Em silêncio, daquele onde cabe toda a compreensão. Ficamos por ali, até perder noção do tempo e até este se transformar em eternidade. Abraçados apenas, nós e o mar em círculo fechado do mundo lá fora. Finalmente, regressamos devagar ao carro.

-É este o meu Sonho –repetiu- Só isto! Nunca o cumpri! Nunca tive alguém que o cumprisse comigo. É tudo. Tão simples? Não, um sonho tão inalcançável que é quase uma utopia.

Maria não soube o que dizer. A simplicidade daquele sonho, comovia-a. Tão insignificante em conteúdo. Afirmava-lhe que não mas Sim, tinha quase-pena da Amiga. Conhecia os seus dias, a sua vida, a sua história. Tantos dramas e tensões, espinhos e dificuldades. Um sonho assim era quase como não pedir nada, num acto de humildade extrema perante a vida.

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Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

Todos os direitos estão reservados.

São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.