Ela olhou para a Amiga com uma quase-pena que não
sabia dissimular na expressão preocupada e, carinhosamente, entre afagos e
palavras, afirmou-lhe a Amizade:
-Mas és tão bonita, Lídia. Uma pessoa que todos
adoram pela forma de estar e de ser, pelo sorriso, pela ternura. Todos te
apreciam ou admiram como Pessoa.
Lídia contemplava um ponto distante, olhos e mente embaciadas,
titubeando:
-Pois, apreciam como Pessoa! Mas, eu sou uma Mulher também.
Normalíssima nas necessidades e sentimentos, no desejo de amor, ternura,
companhia. Ninguém me aprecia como Mulher. Nunca ninguém me afirmou: Amo-te! ou, és a Mulher da minha Vida! ou, preciso de ti para ser feliz! Estás a ver? Coisas
dessas, quer fossem sérias ou meras lamechices, balelas, seja o que for, nunca ninguém
me dedicou essas palavras uma só vez na vida.
E, Lídia, continuou num sopro:
-Sabes qual é o meu maior Sonho, Maria? Não te rias.
Ficarei infeliz se sentires compaixão perante um sonho tão insignificante.
Ela abanou a cabeça numa espécie de não-me-rio-de-ti.
-Sabes qual é o meu maior sonho? –prosseguiu- Um
dia... um dia, alguém chegar à minha vida e, simplesmente, gostar de mim (reparaste
que não utilizei a frase: e, simplesmente, amar-me? Sou pouco ambiciosa. Quando
se carece muito qualquer sentimento é grande o suficiente). Que alguém chegue à minha vida
e que goste de mim e que me leve a ver o mar. Nesse aspecto, sou mais exigente
–sorriu- não é um mar qualquer. É o meu mar de Inverno, aquele que bate
arrojado e impetuoso nas rochas de maré-alta da Figueira da Foz. O mar afoito tranquiliza-me. Alguém que goste um pouco de mim, me leve até ao mar, me dê a mão e a aperte com carinho e caminhe comigo
de mão-dada pelo passeio até perto do Cabo Mondego. São alguns quilómetros, mas
devagar é reconfortante o passeio. Já o percorri várias vezes sozinha, sempre sozinha, com o
vento a revolver-me o cabelo e a arrepiar-me a pele. Nessas alturas observo quem passa, não com inveja, mas com tristeza de um futuro inexistente. Como são felizes os casais que passeiam de mão dada! No meu sonho, sentamo-nos
no paredão ao fim da avenida e ficamos ali, em silêncio, a compreender a
natureza à nossa frente e a nossa própria. Em silêncio, daquele onde cabe toda
a compreensão. Ficamos por ali, até perder noção do tempo e até este se
transformar em eternidade. Abraçados apenas, nós e o mar em círculo fechado do mundo lá fora. Finalmente,
regressamos devagar ao carro.
-É este o meu Sonho –repetiu- Só isto! Nunca o
cumpri! Nunca tive alguém que o cumprisse comigo. É tudo. Tão simples? Não, um sonho
tão inalcançável que é quase uma utopia.
Maria não soube o que dizer. A simplicidade daquele sonho, comovia-a. Tão insignificante em conteúdo. Afirmava-lhe que não mas Sim, tinha quase-pena da Amiga. Conhecia os seus dias, a sua vida, a sua história. Tantos dramas e tensões, espinhos e dificuldades. Um sonho assim era quase como não pedir nada, num acto de humildade extrema perante a vida.
Sinto me profundamente comovida com aproximação da realidade...Gostei imenso.
ResponderEliminarMuito grata Fátima.
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