A casa somos nós!
E a casa que somos pode ser lar, espaço amplo, ar, liberdade, ternura, céu, mar, horizonte, tanto, tudo.
A casa somos nós!
E a casa que somos pode ser ninho, rocha, montanha, abraço, acalento. Tanto, Tudo.
por Ana Souto de Matos
E a casa que somos pode ser lar, espaço amplo, ar, liberdade, ternura, céu, mar, horizonte, tanto, tudo.
A casa somos nós!
E a casa que somos pode ser ninho, rocha, montanha, abraço, acalento. Tanto, Tudo.
Ando com medo de escrever...
Olá Maria. Obrigada por me telefonares. Obrigada por te preocupares. Obrigada por estares sempre aí para mim. Desculpa o meu silêncio. Não tenho andado muito bem.
Não te quero aborrecer com as minhas fragilidades. Não é nada de especial.
Está bem, eu falo.
Sabes, às vezes queria mais da
Vida. Sei lá, queria alguém ao lado para me acompanhar o olhar e o sentir, para
me fazer crescer como pessoa e mulher, para me falar e me escutar histórias
sobre tudo e nada, para partilhar silêncios e cumplicidades, para dar a mão, para
rir, para abraçar e nos confortarmos. Coisas dessas, percebes?
Não exijo da vida mais do que
partilhar o melhor de cada um.
Talvez dependa só de mim. Mas já
não acredito nessa premissa. Cheguei à conclusão há muitos, muitos anos atrás
que não sou o estilo de alguém.
E a vida, vez e outra, força-me
aos dias iguais, aos sentimentos iguais, àquela banalidade implícita na rotina,
nas vivências recorrentes, pese embora eu me force a mudar a forma como olho os
acontecimentos, as coisas, as pessoas.
Às vezes queria mais Vida, Maria!
Mas como alterar o ciclo? Aquele que não nos pede opinião, que nos exige
presença e responsabilidade, mas que não nos confere estatuto de especial,
diferente, única na vida de alguém?
Talvez seja de mim, só de mim.
Afasto as pessoas com a minha forma de ser, a minha independência, a minha
profundidade, o meu pensamento. Mas é tão estranho, porque sou tão simples de
agradar. Basta olharem-me com Ternura e vontade de conhecer. E ficarem por
perto. Não sou exigente. Não quero nós nem amarras, apenas laços, apenas
afecto.
E os anos a passar num ritmo
frenético sem deixar grandes marcas, daquelas que queremos valorizar como memórias
gratas. O tempo não nos dá tempo para saborear os momentos. À minha volta vejo
pessoas que se vão encaixando em relações mais ou menos felizes enquanto eu
permaneço nesta solidão que tanto aprecio, confesso, mas que também renego e me
faz triste.
Já sei que me vais dizer que sou
exigente. Não tem a ver com o aspecto, ou com o estatuto, ou a inteligência.
Sim, tudo isso é importante para criar algo com alguém, mas a questão é que eu
nem dou espaço para que alguém se aproxime, porque à partida não sinto qualquer
ligação. Olho em volta e não há ninguém por quem eu sinta a mínima atracção que
seja. Talvez porque tenha medo, ou tenha a certeza, que mesmo que sentisse não
daria em nada. Não sou o estilo de ninguém.
Já sei o que me vais afirmar: que
sou tola por sentir assim, que sou bonita e ainda jovem, que tenho tanta vida à
minha frente. Já sei de cor as tuas palavras. Mas o tempo passa Maria, o tempo
passa e eu finjo ter paciência como naquela melodia brasileira. Mas por dentro,
o meu pensamento é ebulição em circuito fechado e isso magoa muito, porque me
faz sentir inútil.
Não abanes a cabeça, já sei o que
pensas, que podia dar hipótese a este ou aquele, que deveria baixar os meus
parâmetros. Já me enganei redondamente no passado, não vou fazer de novo os
mesmos erros: valorizar quem não me valoriza, dar muito mais do que recebo. Não
pode ser assim. Quero reciprocidade. Que me olhem e não condescendam. Que
estejamos à altura um do outro. Que nos façamos rir mutuamente. Que tenhamos a
mesma forma de ver e sentir as coisas. Porque é tão complicado?
Lá vais vens tu com essa ideia da
‘auto-estima’. Sim, por vezes a minha auto-estima arrasta-se pelo chão, como
não se arrastar quando me sinto tão pouco amada ou nada-amada? Por alguém! Por
ninguém! Outras vezes consigo ser equilibrada, nunca soberba!
Tu sabes, Maria, tu sabes isto
tudo. É um vazio tão grande que tento colmatar valorizando os outros, os
conhecidos, os amigos, a comunidade. Dou o que tenho e o que não tenho. A
alegria, o sorriso, a gentileza. Canalizo todas as energias para isso, porque
se calhar já perdi a esperança para mim própria. Há anos que assim acontece.
Anos e anos e anos.
Espera um pouco, deixa-me chorar
um bocado. Ultimamente choro mais. As lágrimas soltam-se mais facilmente, com
tudo e com nada. Sempre susceptível, sempre infeliz com a humanidade que se
degrada em meu, nosso redor. O mundo à volta não ajuda, com tanto egocentrismo,
guerra, ódio, sede de poder.
Obrigada pelo teu carinho. Não
sei o que faria sem ti. Tenho, todos os dias, saudades do teu abraço terno de
irmã. O teu abraço faz-me bem e dá-me alguma força para persistir.
Mas, Maria, não sei explicar! Será
que não há alguém que simplesmente surja e me cative o olhar e que, por benesse
do destino, também se afunde no meu olhar e goste de mim?
Está bem, Maria, acena a cabeça e
diz que sou eu que não sei observar os sinais. Não sei! Assumo. A minha
história de vida não me deu espaço para esse ensinamento, para aprender essas
malícias naturais de mulher. Tudo me passa ao lado.
Da vida, só queria amar e ser
amada, ao mesmo tempo!
Olha Maria, não consigo dizer
mais nada, vou desligar o telefone.
Não te preocupes eu vou refugiando-me nos meus sonhos. Amanhã
falamos!
Beijo terno.
Imagem: IA/Canva
SOFRI UM ASSALTO EMOCIONAL
Sinto-a, como certa e adequada, colando-se à pele e ao pensamento.
Toca-me o facto de ter ocorrido quase por acaso...tanto a sua leitura quanto a dimensão do seu significado, neste frémito constante que me altera os compassos arteriais.
Recordo-me até o momento fugaz desse sentir... num espaço em que o barulho de sons alternando com as cores e luzes intensas, a profusão quase assustadora de pessoas em mesclas de soberba e ostentação, se concentrou em palavras breves, olhares breves e, num toque, também ele, quase breve demais.
Sofri um assalto emocional… e a emoção permanece ainda...
Não atinjo, contudo, a sua total compreensão.
Não percebo a sua definição ou o seu porquê ou porque persiste...
-Sentes tudo -assim e tanto- porque és uma mulher extremamente sensível, afirmaram-me vezes sem conta na vida e, essa sensibilidade, teima em persistir e atingir-me com toda a carga e impacto do estigma que comporta. Sensível e reservada e solitária e distante e discreta e, sei lá...
Penso -ainda mais um pouco- sobre este 'assalto'.
Será que é do nosso inconsciente deixarmos as portas abertas ou as janelas ou seja lá o que for …qualquer metáfora serve, poros por exemplo, na mente e na pele?
Será que quando mais nos sentimos desprotegidos de ideias, de expectativas, de sonhos e de afectos, mais vulneráveis ficamos a inesperados? Ou, simplesmente, ocorre porque chegámos à solidão mais profunda do nosso fundo?
Nesses momentos, tão despojados, estremecemos então, perante o súbito daquilo que nos faz sentir Gente, de novo.
E, num rompante, pressentimos qualquer coisa cá-dentro, inquietação que nasce ou tão somente mexe. Mas também medo, muito medo!
De novo vivos ou, talvez e apenas, vislumbrando assomos de vida, porventura certos de que a Natureza se vai cumprindo?
linhas precisas
ramos tortuosos
luz e sombra
«Tomei a decisão de te amar a vida inteira. Uma certeza quase inabalável que encerra todas as janelas para que não entre luz ou pó, brisa ou chuva que desvaneça ou arranque as imagens que se formaram raiz.
Sim, tomei essa decisão. Não foi de agora. A minha alma escolheu-te há muito tempo, um tempo quase eternizado, que persiste num Inverno gélido demasiado longo ou num Inferno tão insuportável de ardente. Não sei qual a imagem mais expressiva, contudo permanece verdade dos dias.
Tomei a decisão de te amar a vida inteira. Confrontam-me: ‘assim, estarás sempre só’, como se essa sensação de solidão fosse em si e por si algo extraordinariamente estranho, incompreensível, infeliz. Lamento informar: ‘não é!’. Gosto desta solidão, comigo e com a imagem que guardei de ti. Nesse espaço, a nossa história é imperfeita como devem ser todas as histórias, mas intensa e completa como devem ser todos os sentimentos partilhados. Algumas vezes sol radiante, outras o mais breu de escuridão.
Tomei a decisão de te amar a vida inteira. Nessa decisão, uma outra! a de não gastar e desgastar os meus sentimentos numa busca incessante de um qualquer alguém que apenas preencha vagamente os sentidos, sobretudo aqueles mais resguardados cá-dentro.
Tomei a decisão de te amar a vida inteira. De te querer no mais recôndito do meu cérebro, naquele confim entre o sonho e o pesadelo em que começam e terminam as noites, os dias e o que fica entre o antes e o depois do arrazoado quotidiano da vida. De te resguardar no mais precioso que há em mim que é o ‘aquilo’ que não se sabe definir e que, simplesmente, É! Existe! Está! tudo formatos do mesmo sentido e com o mesmo significado.
Tomei a decisão de te amar a vida inteira e, a intensidade dos sentimentos revolve-se e revolta-se num plasma cá-dentro e, é esse ardor que te alimenta em mim.
Sim, tomei a decisão de te amar a vida inteira!»
Texto: ASM em 'qualquer-coisa-de-quê!
Foto: ASM
Noutros dias …noutros dias… saberia o que te dizer. Saberia, como sempre soube, falar-te de mim ou dos sonhos que preenchem espaços ... ou de simples devaneios que esvoaçam por aí ou de meras ideias sobre o mundo ou, ainda, das gentes que o povoam. Noutros dias,saberia dizer-te de tudo um pouco, saberia afirmar-te nada de muito…trautear sobre as músicas que me alegram, projectar as imagens que capto com a objectiva do meu olhar, palrar sobre as filosofias – ‘baratas’ ou acertadas - que por aí grassam. Saberia brincar sobre as coisas e as pessoas, trocar contigo pormenores da vida e teria sempre tantas palavras… Todas as palavras! Noutros dias…saberia… Nestes dias…Agora!… Agora, já não sei… Já não sei se te posso dizer, tudo aquilo que te queria dizer, que te quero dizer! E que te digo… em tom de solilóquio, em jeito de toada ou trinado que canto para mim própria acalmando o meu ímpeto em desejar afirmar-te tanta coisa ao ouvido… e, ao ouvido, queria dizer-te…queria dizer-te baixinho, tão baixinho, quase um sussurro…apenas num sopro que só tu poderias e conseguirias ouvir… Queria dizer-te que não sabia! Que não sabia que iria sentir assim… Assim!… tão simples mas tão cheio. Que não sabia que iria albergar uma saudade assim… Assim!… tão grande e tão intensa que… que, o silêncio dói… assim, cá dentro, tão fundo. Que não sabia que iria pensar assim… Assim!… em nada mais, nestes dias, que não apenas e só em ti. Que não sabia que o teu abraço seria assim… Assim!… tão fundamental , tão vital, que me alvoroça recordá-lo. Que não sabia que iria ser assim… Assim!… o sentido da ausência do teu aconchego… Assim!… agora que senti o teu peito no meu rosto, como se fora esse! desde sempre, o sítio natural para o pousar. Queria dizer-te que não sabia que o teu toque seria assim… Assim!… mais do que mera perturbação e que, o teu acalento seria assim… assim, mais do que simples ardor. Queria dizer-te que não sabia que o estar perto de ti, seria querer-te… junto de mim, dentro de mim, dentro de ti, dentro de nós. Não sabia… Agora Sei!
.
(historietas avulsas d’um livro inacabado)
Foto e texto: ASM
Sinto-me febril.
Reconheço bem esse estado, não propriamente rotineiro mas suficientemente habitual para o topar de ginjeira e lhe perceber as manhas.
Febril de temperatura, que me deixa a pele inusitadamente fresca embora eu lhe (pres)sinta arrepios, assanhada em picos de poros e pelos.
Febril de ideias que me sacolejam a mente, a perturbam ao limite da sanidade e a estimulam em córregos fluentes. Ideias que, soltas, correm pelos imaginários regatos de pensamentos, quase-rios, deixando-me as veias a arder com a sua revolta agitação.
Há dias em que pensar me cansa, assim como sentir me cansa, também. Enfim, é a própria vida que me cansa e desgasta. Cansa-me a vida e cansa-me esta febre… uma febre de sentidos intensos e fartos e de enrodilhados vazios, que me deixam em perplexidade de não saber se estou completamente cheia de nada ou completamente oca de tudo…
Estou febril.
Sei isso!Muitos refugiam-se na Igreja para encontrar a serenidade do seu Deus. Não contesto. Cada um tem a sua forma de se chegar perto!
Há muito que o meu templo de Paz é a Natureza, simultaneamente, espaço e divindade, assumindo género feminino na acepção, lugar amplo -sem fronteiras de janelas, teto ou chão- extensão profusa de vida.
Sou uma privilegiada, não preciso de calcorrear grandes caminhos para encontrar dessa paz que só a Natureza-Mãe me sabe conferir.
Basta-me –quase ao lado dos quotidianos- prosseguir ao encontro da serra, com a sua floresta e rios. Então, aí, longe por algumas horas de qualquer assomo de vida humana, calcorreando caminhos, veredas, atalhos e trilhos quase indecifráveis, encontro-me com o mais telúrico, criando lugar para a reflexão, para o sentido mais despojado, para a compreensão mais simples do mundo.
Posso, então, absorver do que me envolve e criar dentro de mim, energia para algum entendimento da minha própria natureza, quiçá, para algum entendimento da própria Humanidade.
Depois, imbuída do azul e verde, apanágio dos regatos e das árvores, do orvalho e da clorofila, regresso -por fim- aos circuitos de todos os dias com mais de mim, porventura, um pouco renovada, para então -melhorada na minha própria versão- me partilhar com os que me rodeiam .
FOTO: ASM #SerraLousã
«Ontem à noite, da janela observei a esquina do meu quarteirão. Um redemoinho de luz formado pela água da chuva em dança voluptuosa.
Os movimentos giratórios criavam imagens sobre a calçada e o
asfalto, sob a luz branca e crua dos candeeiros públicos.
Fixando os olhos com maior precisão, entendi que os seres
formados pelo vento das copiosas gotas de água, compactados nos feixes de luz
nua e branca, libertavam sons que tanto podiam ser de êxtase e comunhão quanto
de sofrimento e dor. Uns, esganiçavam-se em cânticos, outros numa espécie de
urros ou gemidos, num qualquer linguajar incompreensível.
Da janela, não me conseguia aperceber se tratavam de seres
assexuados ou de género bem definido.
Do esforço, os olhos latejavam de ardor com o esforço de
captação da imagem e, simultaneamente, de compreensão do conteúdo.
As espirais criavam histórias entre si, histórias de
envolvimento e lutas; composições de beleza e fealdade; cenários de intensidade
e marasmo.
Ali, à minha frente, desfilavam os meus temores e os meus
sonhos numa dança de sensualidade e de ousadia; de regressão e medo; de
catarse. Passos à frente, passos atrás, o vento a forçar-lhes as ancas
inexistentes, os braços idealizados, as cabeças de corpos meramente imaginados,
rodopiando e forçando os feixes de luz...
queria ser para ti um lago de águas doces, serenas em que tranquilizasses o teu espírito ao invés de um mar tumultuoso que embravece o teu cerne...um mar quase mau, daquele que afoga os pescadores!
Borrifo as Palavras com gotas frescas de chuva em tentativa - vã? - de lhes conferir significados!!!
Tu, naquela imagem recorrente de homem caminhando sobre um fio de luz quase imperceptível sobre o imenso breu logo abaixo, dos lados, em cima, em todo o espaço...