quinta-feira, 3 de julho de 2025

Presságio


Afundei-me no instante em que te vi,
como quem escorrega docemente por um abismo sonhado.
O teu olhar — não o teu rosto, nem a tua voz —
o teu olhar foi o que me afogou, sem aviso,
como um mar que decide abraçar a arriba cansada.

Nada conhecia de ti,
nem do riso, nem das luzes ou das sombras,
ou, sequer, da dor escondida sob os gestos.

Mas soube!
Soube com o corpo inteiro,
com a minha alma que já não esperava nada,
que tinhas em ti uma resposta antiga
para uma pergunta que nunca ousei fazer!

O teu olhar tocou-me como quem reconhece,
como quem lembra sem nunca ter vivido.
E, naquele breve roçar dos teus dedos no meu braço,
houve um silêncio que gritou dentro de mim.

Retratei-me.
Não por medo,
mas porque percebi que algo começava ali
e eu ainda era inverno.

Foste presságio,
vento quente, um ponto de luz num deserto sem mapa.
E, mesmo sem saber se voltaria a ver-te,
guardei-te no lugar onde nascem os milagres.

Foto: ASM "uma espécie de alvorada"


terça-feira, 3 de junho de 2025

Disciplina!

Ando com medo de escrever...

Medo de libertar, impulsivamente, as ideias que há dois meses me fervilham o pensamento e os sentidos. De as transformar em palavras que, escritas, não podem ser ignoradas. 
Medo de que, soltas, cresçam por si, se tornem verdade incontornável perante os meus olhos e, eu, deixe de lhes ter controlo. 

Ando com medo de escrever!


segunda-feira, 2 de junho de 2025

Há momentos...

"Há momentos na vida, quando o nosso coração está tão cheio de emoção que, se por acaso ele é agitado por alguma palavra descuidada, essa emoção transborda, como um segredo que se revela perante os nossos olhos..." 

domingo, 25 de maio de 2025

sábado, 17 de maio de 2025

O telefonema...

 












Olá Maria. Obrigada por me telefonares. Obrigada por te preocupares. Obrigada por estares sempre aí para mim. Desculpa o meu silêncio. Não tenho andado muito bem.

Não te quero aborrecer com as minhas fragilidades. Não é nada de especial.

Está bem, eu falo. 

Sabes, às vezes queria mais da Vida. Sei lá, queria alguém ao lado para me acompanhar o olhar e o sentir, para me fazer crescer como pessoa e mulher, para me falar e me escutar histórias sobre tudo e nada, para partilhar silêncios e cumplicidades, para dar a mão, para rir, para abraçar e nos confortarmos. Coisas dessas, percebes?

Não exijo da vida mais do que partilhar o melhor de cada um.

Talvez dependa só de mim. Mas já não acredito nessa premissa. Cheguei à conclusão há muitos, muitos anos atrás que não sou o estilo de alguém.

E a vida, vez e outra, força-me aos dias iguais, aos sentimentos iguais, àquela banalidade implícita na rotina, nas vivências recorrentes, pese embora eu me force a mudar a forma como olho os acontecimentos, as coisas, as pessoas.

Às vezes queria mais Vida, Maria! Mas como alterar o ciclo? Aquele que não nos pede opinião, que nos exige presença e responsabilidade, mas que não nos confere estatuto de especial, diferente, única na vida de alguém?

Talvez seja de mim, só de mim. Afasto as pessoas com a minha forma de ser, a minha independência, a minha profundidade, o meu pensamento. Mas é tão estranho, porque sou tão simples de agradar. Basta olharem-me com Ternura e vontade de conhecer. E ficarem por perto. Não sou exigente. Não quero nós nem amarras, apenas laços, apenas afecto.

E os anos a passar num ritmo frenético sem deixar grandes marcas, daquelas que queremos valorizar como memórias gratas. O tempo não nos dá tempo para saborear os momentos. À minha volta vejo pessoas que se vão encaixando em relações mais ou menos felizes enquanto eu permaneço nesta solidão que tanto aprecio, confesso, mas que também renego e me faz triste.

Já sei que me vais dizer que sou exigente. Não tem a ver com o aspecto, ou com o estatuto, ou a inteligência. Sim, tudo isso é importante para criar algo com alguém, mas a questão é que eu nem dou espaço para que alguém se aproxime, porque à partida não sinto qualquer ligação. Olho em volta e não há ninguém por quem eu sinta a mínima atracção que seja. Talvez porque tenha medo, ou tenha a certeza, que mesmo que sentisse não daria em nada. Não sou o estilo de ninguém.

Já sei o que me vais afirmar: que sou tola por sentir assim, que sou bonita e ainda jovem, que tenho tanta vida à minha frente. Já sei de cor as tuas palavras. Mas o tempo passa Maria, o tempo passa e eu finjo ter paciência como naquela melodia brasileira. Mas por dentro, o meu pensamento é ebulição em circuito fechado e isso magoa muito, porque me faz sentir inútil.

Não abanes a cabeça, já sei o que pensas, que podia dar hipótese a este ou aquele, que deveria baixar os meus parâmetros. Já me enganei redondamente no passado, não vou fazer de novo os mesmos erros: valorizar quem não me valoriza, dar muito mais do que recebo. Não pode ser assim. Quero reciprocidade. Que me olhem e não condescendam. Que estejamos à altura um do outro. Que nos façamos rir mutuamente. Que tenhamos a mesma forma de ver e sentir as coisas. Porque é tão complicado?

Lá vais vens tu com essa ideia da ‘auto-estima’. Sim, por vezes a minha auto-estima arrasta-se pelo chão, como não se arrastar quando me sinto tão pouco amada ou nada-amada? Por alguém! Por ninguém! Outras vezes consigo ser equilibrada, nunca soberba! 

Tu sabes, Maria, tu sabes isto tudo. É um vazio tão grande que tento colmatar valorizando os outros, os conhecidos, os amigos, a comunidade. Dou o que tenho e o que não tenho. A alegria, o sorriso, a gentileza. Canalizo todas as energias para isso, porque se calhar já perdi a esperança para mim própria. Há anos que assim acontece. Anos e anos e anos.

Espera um pouco, deixa-me chorar um bocado. Ultimamente choro mais. As lágrimas soltam-se mais facilmente, com tudo e com nada. Sempre susceptível, sempre infeliz com a humanidade que se degrada em meu, nosso redor. O mundo à volta não ajuda, com tanto egocentrismo, guerra, ódio, sede de poder.

Obrigada pelo teu carinho. Não sei o que faria sem ti. Tenho, todos os dias, saudades do teu abraço terno de irmã. O teu abraço faz-me bem e dá-me alguma força para persistir.

Mas, Maria, não sei explicar! Será que não há alguém que simplesmente surja e me cative o olhar e que, por benesse do destino, também se afunde no meu olhar e goste de mim?

Está bem, Maria, acena a cabeça e diz que sou eu que não sei observar os sinais. Não sei! Assumo. A minha história de vida não me deu espaço para esse ensinamento, para aprender essas malícias naturais de mulher. Tudo me passa ao lado.

Da vida, só queria amar e ser amada, ao mesmo tempo!

Olha Maria, não consigo dizer mais nada, vou desligar o telefone.
Não te preocupes eu vou refugiando-me nos meus sonhos. Amanhã falamos!
Beijo terno.

Imagem: IA/Canva

quinta-feira, 15 de maio de 2025

resposta?!...


de que servem a simpatia o olhar brilhante o riso fácil e aberto a vontade a ternura a dedicação o interesse o fulgor o ser o estar o querer de que servem a esperança os baques os ecos os requebros cá dentro de que servem o colorido a poesia o desejo a alegria de que servem as palavras que se escrevem tão lindas tão belas tão intensas tão inúteis de que servem os sentidos o afago a ebulição a lava a cautela o controlo a magia a emoção a intensidade o ardor o esquecimento de que servem a melancolia a alegria o abraço o vazio o tudo o nada a tranquilidade o regato o rio os rápidos a corrente a foz o mar as ondas a submersão o afogamento de que servem a confusão a certeza o torpor o sentimento a interiorização a resposta a tranquilidade o sentido das coisas de que servem a solidão a insegurança a estima a questão a dúvida a certeza o estímulo o significado a imaginação o cansaço a vivacidade o medo de que servem o esquecimento o carinho a doçura a luz o sonho a seiva o cerne o âmago a alma de que serve?


sexta-feira, 28 de março de 2025

...um assalto emocional...

 
Li por aí esta frase banal…

SOFRI UM ASSALTO EMOCIONAL

Sinto-a, como certa e adequada, colando-se à pele e ao pensamento.

Toca-me o facto de ter ocorrido quase por acaso...tanto a sua leitura quanto a dimensão do seu significado, neste frémito constante que me altera os compassos arteriais.

Recordo-me até o momento fugaz desse sentir... num espaço em que o barulho de sons alternando com as cores e luzes intensas, a profusão quase assustadora de pessoas em mesclas de soberba e ostentação, se concentrou em palavras breves, olhares breves e, num  toque, também ele, quase breve demais. 

Sofri um assalto emocional… e a emoção permanece ainda...

Não atinjo, contudo, a sua total compreensão.

Não percebo a sua definição ou o seu porquê ou porque persiste...

-Sentes tudo -assim e tanto- porque és uma mulher extremamente sensível, afirmaram-me vezes sem conta na vida e, essa sensibilidade, teima em persistir e atingir-me com toda a carga e impacto do estigma que comporta. Sensível e reservada e solitária e distante e discreta e, sei lá...

Penso -ainda mais um pouco- sobre este 'assalto'.

Será que é do nosso inconsciente deixarmos as portas abertas ou as janelas ou seja lá o que for …qualquer metáfora serve, poros por exemplo, na mente e na pele? 

Será que quando mais nos sentimos desprotegidos de ideias, de expectativas, de sonhos e de afectos, mais vulneráveis ficamos a inesperados? Ou, simplesmente, ocorre porque chegámos à solidão mais profunda do nosso fundo?

Nesses momentos, tão despojados, estremecemos então, perante o súbito daquilo que nos faz sentir Gente, de novo. 

E, num rompante, pressentimos qualquer coisa cá-dentro, inquietação que nasce ou tão somente mexe. Mas também medo, muito medo!

De novo vivos ou, talvez e apenas, vislumbrando assomos de vida, porventura certos de que a Natureza se vai cumprindo?



quarta-feira, 26 de março de 2025

Repetidamente.... (Linha de Vida)













linhas precisas

ramos tortuosos

luz e sombra

conceitos lineares

sentimentos tumultuosos
ideias desfocadas
pensamentos definidos
tanto se capta num só olhar
tanto se sente num preciso instante!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Decisão de vida inteira...















«Tomei a decisão de te amar a vida inteira. Uma certeza quase inabalável que encerra todas as janelas para que não entre luz ou pó, brisa ou chuva que desvaneça ou arranque as imagens que se formaram raiz.

Sim, tomei essa decisão. Não foi de agora. A minha alma escolheu-te há muito tempo, um tempo quase eternizado, que persiste num Inverno gélido demasiado longo ou num Inferno tão insuportável de ardente. Não sei qual a imagem mais expressiva, contudo permanece verdade dos dias. 

Tomei a decisão de te amar a vida inteira. Confrontam-me: ‘assim, estarás sempre só’, como se essa sensação de solidão fosse em si e por si algo extraordinariamente estranho, incompreensível, infeliz. Lamento informar: ‘não é!’. Gosto desta solidão, comigo e com a imagem que guardei de ti. Nesse espaço, a nossa história é imperfeita como devem ser todas as histórias, mas intensa e completa como devem ser todos os sentimentos partilhados. Algumas vezes sol radiante, outras o mais breu de escuridão. 

Tomei a decisão de te amar a vida inteira. Nessa decisão, uma outra! a de não gastar e desgastar os meus sentimentos numa busca incessante de um qualquer alguém que apenas preencha vagamente os sentidos, sobretudo aqueles mais resguardados cá-dentro.

Tomei a decisão de te amar a vida inteira. De te querer no mais recôndito do meu cérebro, naquele confim entre o sonho e o pesadelo em que começam e terminam as noites, os dias e o que fica entre o antes e o depois do arrazoado quotidiano da vida. De te resguardar no mais precioso que há em mim que é o ‘aquilo’ que não se sabe definir e que, simplesmente, É! Existe! Está! tudo formatos do mesmo sentido e com o mesmo significado.

Tomei a decisão de te amar a vida inteira e, a intensidade dos sentimentos revolve-se e revolta-se num plasma cá-dentro e, é esse ardor que te alimenta em mim.

Sim, tomei a decisão de te amar a vida inteira!»

Texto: ASM em 'qualquer-coisa-de-quê!
Foto: ASM

domingo, 21 de abril de 2024

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

NOUTROS DIAS, SABERIA!


Noutros dias …noutros dias… saberia o que te dizer. Saberia, como sempre soube, falar-te de mim ou dos sonhos que preenchem espaços ... ou de simples devaneios que esvoaçam por aí ou de meras ideias sobre o mundo ou, ainda, das gentes que o povoam. Noutros dias,saberia dizer-te de tudo um pouco, saberia afirmar-te nada de muito…trautear sobre as músicas que me alegram, projectar as imagens que capto com a objectiva do meu olhar, palrar sobre as filosofias – ‘baratas’ ou acertadas - que por aí grassam. Saberia brincar sobre as coisas e as pessoas, trocar contigo pormenores da vida e teria sempre tantas palavras… Todas as palavras! Noutros dias…saberia… Nestes dias…Agora!… Agora, já não sei… Já não sei se te posso dizer, tudo aquilo que te queria dizer, que te quero dizer! E que te digo… em tom de solilóquio, em jeito de toada ou trinado que canto para mim própria acalmando o meu ímpeto em desejar afirmar-te tanta coisa ao ouvido… e, ao ouvido, queria dizer-te…queria dizer-te baixinho, tão baixinho, quase um sussurro…apenas num sopro que só tu poderias e conseguirias ouvir… Queria dizer-te que não sabia! Que não sabia que iria sentir assim… Assim!… tão simples mas tão cheio. Que não sabia que iria albergar uma saudade assim… Assim!… tão grande e tão intensa que… que, o silêncio dói… assim, cá dentro, tão fundo. Que não sabia que iria pensar assim… Assim!… em nada mais, nestes dias, que não apenas e só em ti. Que não sabia que o teu abraço seria assim… Assim!… tão fundamental , tão vital, que me alvoroça recordá-lo. Que não sabia que iria ser assim… Assim!… o sentido da ausência do teu aconchego… Assim!… agora que senti o teu peito no meu rosto, como se fora esse! desde sempre, o sítio natural para o pousar. Queria dizer-te que não sabia que o teu toque seria assim… Assim!… mais do que mera perturbação e que, o teu acalento seria assim… assim, mais do que simples ardor. Queria dizer-te que não sabia que o estar perto de ti, seria querer-te… junto de mim, dentro de mim, dentro de ti, dentro de nós. Não sabia… Agora Sei!

.

(historietas avulsas d’um livro inacabado)

Foto e texto: ASM

domingo, 30 de abril de 2023

QUASE-RIOS


Estou febril.

Sinto-me febril.
Reconheço bem esse estado, não propriamente rotineiro mas suficientemente habitual para o topar de ginjeira e lhe perceber as manhas.

Febril de temperatura, que me deixa a pele inusitadamente fresca embora eu lhe (pres)sinta arrepios, assanhada em picos de poros e pelos.

Febril de ideias que me sacolejam a mente, a perturbam ao limite da sanidade e a estimulam em córregos fluentes. Ideias que, soltas, correm pelos imaginários regatos de pensamentos, quase-rios, deixando-me as veias a arder com a sua revolta agitação.

Há dias em que pensar me cansa, assim como sentir me cansa, também. Enfim, é a própria vida que me cansa e desgasta. Cansa-me a vida e cansa-me esta febre… uma febre de sentidos intensos e fartos e de enrodilhados vazios, que me deixam em perplexidade de não saber se estou completamente cheia de nada ou completamente oca de tudo…

Estou febril. 

Sei isso!
.
(reavendo palavras de 2011)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

O Templo


Muitos refugiam-se na Igreja para encontrar a serenidade do seu Deus. Não contesto. Cada um tem a sua forma de se chegar perto!

Há muito que o meu templo de Paz é a Natureza, simultaneamente, espaço e divindade, assumindo género feminino na acepção, lugar amplo -sem fronteiras de janelas, teto ou chão- extensão profusa de vida.

Sou uma privilegiada, não preciso de calcorrear grandes caminhos para encontrar dessa paz que só a Natureza-Mãe me sabe conferir.

Basta-me –quase ao lado dos quotidianos- prosseguir ao encontro da serra, com a sua floresta e rios. Então, aí, longe por algumas horas de qualquer assomo de vida humana, calcorreando caminhos, veredas, atalhos e trilhos quase indecifráveis, encontro-me com o mais telúrico, criando lugar para a reflexão, para o sentido mais despojado, para a compreensão mais simples do mundo.

Posso, então, absorver do que me envolve e criar dentro de mim, energia para algum entendimento da minha própria natureza, quiçá, para algum entendimento da própria Humanidade.

Depois, imbuída do azul e verde, apanágio dos regatos e das árvores, do orvalho e da clorofila, regresso -por fim- aos circuitos de todos os dias com mais de mim, porventura, um pouco renovada, para então -melhorada na minha própria versão- me partilhar com os que me rodeiam .


FOTO: ASM #SerraLousã 

Linhas de Vida... (69)


 

domingo, 18 de julho de 2021

ali, à minha frente...

«Ontem à noite, da janela observei a esquina do meu quarteirão. Um redemoinho de luz formado pela água da chuva em dança voluptuosa.

Os movimentos giratórios criavam imagens sobre a calçada e o asfalto, sob a luz branca e crua dos candeeiros públicos.

Olhando com intenção de compreender, reparei que formavam quadro com sentido e coerência, como se seres -possivelmente com laivos de humanidade -  se confrontassem entre luta desigual entre o desejo, a paixão, a delicadeza, a ternura, quiçá o amor, essa coisa altamente improvável de existir em estado puro e desinteressado.

Fixando os olhos com maior precisão, entendi que os seres formados pelo vento das copiosas gotas de água, compactados nos feixes de luz nua e branca, libertavam sons que tanto podiam ser de êxtase e comunhão quanto de sofrimento e dor. Uns, esganiçavam-se em cânticos, outros numa espécie de urros ou gemidos, num qualquer linguajar incompreensível.

Da janela, não me conseguia aperceber se tratavam de seres assexuados ou de género bem definido.

Do esforço, os olhos latejavam de ardor com o esforço de captação da imagem e, simultaneamente, de compreensão do conteúdo.

As espirais criavam histórias entre si, histórias de envolvimento e lutas; composições de beleza e fealdade; cenários de intensidade e marasmo.

Ali, à minha frente, desfilavam os meus temores e os meus sonhos numa dança de sensualidade e de ousadia; de regressão e medo; de catarse. Passos à frente, passos atrás, o vento a forçar-lhes as ancas inexistentes, os braços idealizados, as cabeças de corpos meramente imaginados, rodopiando e forçando os feixes de luz...

Tempos estranhos...

 


Há muito tempo que não escrevo. Falta de tempo, falta de vontade, falta de sentir ou melhor falta de sentir de formas diferentes, daquelas que preenchem os espaços vazios e o acalentam. O mundo anda estranho, mais estranho do que a estranheza habitual de guerras além, violências, excessos e misérias, poderes agigantados. Instalou-se o medo de algo etéreo. O inimigo não é concreto e palpável, é invisível, anónimo. E esse medo torna-se dia para dia maior, grandioso na sua dimensão de família, comunidade, região, país, mundo. E cria maiores vazios de afectos, não obstante o estímulo de solidariedades e cidadanias. E torna-nos pessoas solitárias. Sós do mundo, sós dos outros e, às vezes, sós de nós! 

sábado, 10 de abril de 2021

ao invés...


queria ser para ti um lago de águas doces, serenas em que tranquilizasses o teu espírito  ao invés de um mar tumultuoso que embravece o teu cerne...um mar quase mau, daquele que afoga os pescadores!



chuva...

Borrifo as Palavras com gotas frescas de chuva em tentativa - vã? -  de lhes conferir significados!!!

domingo, 20 de setembro de 2020

ficas Tu e o vazio...














Entre uma ponta e outra do meu pensamento ficas Tu e o vazio!

Tu, naquela imagem recorrente de homem caminhando sobre um fio de luz quase imperceptível sobre o imenso breu logo abaixo, dos lados, em cima, em todo o espaço...

Entre uma ponta e outra do meu pensamento...ficas Tu e a sólida, a lúcida e a absoluta constatação de todo o vazio da minha vida sem ti!

quinta-feira, 11 de junho de 2020

sábado, 9 de maio de 2020

...apenas...


·        Há dias que limito o meu sentir à superfície.

Ternura




















«Amo-te, disseste-me, assim! 
Sem delongas, sem toque, sem atavios a florear o momento.
Apenas os lábios a proferir a palavra e os olhos a acariciar-me o rosto.
                [Confundi-me? Seriam apenas os olhos a soletrar as letras?]

De permeio todo o espaço imenso das vidas.
O silêncio após forçou o eco das palavras no pensamento.

Diz outra vez, pedi 
                [Terei ordenado?].
Amo-te, disseste 
                [Terás obedecido?].

Enleada com a surdina da palavra, toquei os teus lábios com a ponta dos meus dedos                        [Beijando-te?] 

E sem tempo...deixei-os aí ficar, transferindo o som para dentro de mim, como se a vida e o futuro se concentrasse nessa mera palavra.»

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Quero recordar-me de ti...


Tributo e Homenagem Pessoal a Carlos Carranca

Quero recordar-me de ti, assim, a sorrir e com o jeito matreiro no olhar que por vezes surgia quando conseguias fintar os pensamentos das pessoas, sempre mais lentos do que os teus, sobretudo quando dissertavas sobre o que ou quem te enchia a Alma.

Quero recordar-me de ti e da tua expressão ausente quando te perdias em pensamentos de outras dimensões, no meio dos nossos burburinhos mundanos e eu troçava de teres voado sem asas em pleno almoço ou jantar na “Pensão Estrelinha” da Mãe-Lena (esse nome tão carinhoso que davas à Casa da tua família de coração na Lousã). Ou ainda ao jeito de tertúlia caseira, das larachas e das picardias trocadas com o Pai deMatos em torno das políticas actuais e de outrora ou das acções feitas e desfeitas em Coimbra ou da Briosa de antenho e de agora.

Quero recordar-me de ti e da forma peculiar como interiorizavas os poemas, assim numa declamação em surdina, para depois em momento próprio dizeres com voz possante, semblante confiante e mãos expressivas, as palavras de Torga ou de Leonel Neves, as toadas de Goes ou os teus próprios sentires.

Quero recordar-me de ti
e da forma como ficaste sensibilizado com o jeito como captei o fundamental dos teus poemas eleitos no momento em que apresentei os teus “55 Poemas de Idade” e de como eu, mera Aprendiz, me orgulhei do convite do Artista mais confiante nas minhas qualidades do que eu própria inquieta e receosa de não merecer tal honraria.

Quero recordar-me de ti guloso pelos sonhos, os com calda de açucar e os outros que orbitavam nas tuas ideias e que te transformavam em Quixote em plena Mancha de Unamuno.

Quero recordar-me de ti a receber orgulhoso o Prémio da terra, que é sempre um momento feliz quando se é reconhecido em vida, entre os seus.

Quero recordar-me de ti no quintal da Casa do Prilhão - de boina basca e capa sobre os ombros por debaixo da latada de videiras entrançadas nos kivis com o gato a rondar-te as pernas - acossado com as corriqueirices do quotidiano mas disperso em reflexões e considerações, conjecturas e perplexidades – porventura em confissões interiores ao teu “Cristo de barro” - … “já escrevi um livro inteiro na minha cabeça”… “chego à Lousã e escrevo, escrevo, escrevo, porque em nenhuma parte estou mais perto de mim…”, afirmavas, então, porque sentias que o centro da tua Pátria era aqui!

Quero recordar-me de ti com a admiração telúrica que se nutre pelo Irmão mais Velho, pelo Amigo, pelo Mestre e pelo Homem Bom, Grande no seu conhecimento universal de todas as coisas mas sobretudo da sua própria Natureza.

Quero recordar-me de ti através da grande Obra que nos legaste como testemunho e partilha da tua Humanidade, porque Assim!, o Poeta permanecerá, ficará para sempre pela Terra dizendo Cantigas para Sonhar(mos) e, dessa forma, de quem se despojou em vida, tornando-se eterno!


Para a Rosinha, o João, o Miguel, o Miguel B., a Judite B. e  a Tia Alcina B., a Sandra, a Xu e toda a demais família, com o carinho da ‘família da Lousã’.
Ana Souto deMatos
Lousã 01/09/2019

última aparição em sessão pública de Carlos Carranca no evento "Essa Palavra, Liberdade!" 
a 25 de Abril de 2019 no Museu Álvaro Viana de Lemos na Lousã 
por ocasião da comemoração dos 45 anos do 25 de Abril 



quinta-feira, 29 de agosto de 2019

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Ficção Científica!


Teletransporto-me para junto de ti e agarro-me segura ao teu peito firme.

Aconchegados no colo um do outro percorremos a galáxia para além da última das últimas estrelas.

Não evitamos cometas, nem colisões com os meteoros...

Uma viagem sideral para lá dos confins do universo...

Enfim, caímos na escuridão de uma nova, que nos suga e absorve no seu buraco negro até adormecermos exaustos da viagem galáctica.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

[diálogos (2)] ...uma espécie de Marca...


- Estás com um olhar tão ausente daqui, mas tão preso num qualquer  lugar.... - A Amiga proferiu para o ar, não esperando resposta.

Do outro lado porém, assim confrontado, o olhar focou-se de novo na realidade:
- Alguma vez tiveste alguém perto de ti, tão perto… os joelhos no solo, sobre a relva... tu, sentada no banco de jardim… a sua cabeça pousada nas tuas pernas, numa atitude de dádiva, de despojo? Assim tão próximo num momento de oferta de si em silêncio “aqui estou, mostro-me a ti, recebe-me como sou. Aqui estás, mostra-te a mim, aceito-te como és”? Alguma vez, assim num-sentir-sem-palavras, na plena sintonia desse toque breve?  Apenas o rosto sobre os teus joelhos… num momento tão, tão simples mas tão, tão intenso, que os escassos  minutos se tornam marca eterna gravada no coração e no pensamento? Alguma vez? - repetiu.

Maria abanou a cabeça numa negativa sem inveja, antes de desejo de ter vivido ou alguma vez poder viver algo de semelhante….

- Eu tive esse momento… faz muito, muito tempo, mas permanece ainda… permanecerá sempre.

De permeio, entre ambas apenas o silêncio e a imaginação a galgar os anos.

Insistiu: - Será  que compreendes?
A Amiga pensou compreender!

Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

Todos os direitos estão reservados.

São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.