quinta-feira, 3 de julho de 2025

Presságio


Afundei-me no instante em que te vi,
como quem escorrega docemente por um abismo sonhado.
O teu olhar — não o teu rosto, nem a tua voz —
o teu olhar foi o que me afogou, sem aviso,
como um mar que decide abraçar a arriba cansada.

Nada conhecia de ti,
nem do riso, nem das luzes ou das sombras,
ou, sequer, da dor escondida sob os gestos.

Mas soube!
Soube com o corpo inteiro,
com a minha alma que já não nada esperava,
que tinhas em ti uma resposta antiga
para uma pergunta que nunca ousei fazer!

O teu olhar tocou-me como quem reconhece,
como quem lembra sem nunca ter vivido.
E, naquele breve roçar dos teus dedos no meu braço,
houve um silêncio que gritou dentro de mim.

Retratei-me.
Não por medo,
mas porque percebi que algo começava ali,
mas eu ainda era inverno.

Foste presságio,
vento quente, um ponto de luz num deserto sem mapa.
E, mesmo sem saber se voltaria a ver-te,
guardei-te no lugar onde nascem os milagres.

Foto: ASM "uma espécie de alvorada"


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Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

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São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.