Tributo
e Homenagem Pessoal a Carlos Carranca
Quero recordar-me de ti, assim, a sorrir e com o jeito matreiro no olhar que por vezes surgia quando conseguias fintar os pensamentos das pessoas, sempre mais lentos do que os teus, sobretudo quando dissertavas sobre o que ou quem te enchia a Alma.
Quero recordar-me de ti e da tua expressão ausente quando te perdias em
pensamentos de outras dimensões, no meio dos nossos burburinhos mundanos e eu
troçava de teres voado sem asas em pleno almoço ou jantar na “Pensão
Estrelinha” da Mãe-Lena (esse nome tão carinhoso que davas à Casa da tua
família de coração na Lousã). Ou ainda ao jeito de tertúlia caseira, das larachas
e das picardias trocadas com o Pai deMatos em torno das políticas actuais e de
outrora ou das acções feitas e desfeitas em Coimbra ou da Briosa de antenho e
de agora.
Quero recordar-me de ti e da forma peculiar como interiorizavas os
poemas, assim numa declamação em surdina, para depois em momento próprio
dizeres com voz possante, semblante confiante e mãos expressivas, as palavras
de Torga ou de Leonel Neves, as toadas de Goes ou os teus próprios sentires.
Quero recordar-me de ti e da forma como ficaste sensibilizado com o jeito como captei o fundamental dos teus poemas eleitos no momento em que apresentei os teus “55 Poemas de Idade” e de como eu, mera Aprendiz, me orgulhei do convite do Artista mais confiante nas minhas qualidades do que eu própria inquieta e receosa de não merecer tal honraria.
Quero recordar-me de ti guloso pelos sonhos, os com calda de açucar e
os outros que orbitavam nas tuas ideias e que te transformavam em Quixote em
plena Mancha de Unamuno.
Quero recordar-me de ti a receber orgulhoso o Prémio da terra, que é
sempre um momento feliz quando se é reconhecido em vida, entre os seus.
Quero recordar-me de ti no quintal da Casa do Prilhão - de boina basca
e capa sobre os ombros por debaixo da latada de videiras entrançadas nos kivis
com o gato a rondar-te as pernas - acossado com as corriqueirices do quotidiano
mas disperso em reflexões e considerações, conjecturas e perplexidades –
porventura em confissões interiores ao teu “Cristo de barro” - … “já escrevi um
livro inteiro na minha cabeça”… “chego à Lousã e escrevo, escrevo, escrevo,
porque em nenhuma parte estou mais perto de mim…”, afirmavas, então, porque
sentias que o centro da tua Pátria era aqui!
Quero recordar-me de ti com a admiração telúrica que se nutre pelo
Irmão mais Velho, pelo Amigo, pelo Mestre e pelo Homem Bom, Grande no seu
conhecimento universal de todas as coisas mas sobretudo da sua própria Natureza.
Quero recordar-me de ti através da grande Obra que nos legaste como
testemunho e partilha da tua Humanidade, porque Assim!, o Poeta permanecerá,
ficará para sempre pela Terra dizendo Cantigas para Sonhar(mos) e, dessa forma, de quem se despojou em vida, tornando-se eterno!
Para a Rosinha, o João, o Miguel, o Miguel B., a Judite B. e a Tia Alcina B., a Sandra, a Xu e toda a demais família, com o carinho da ‘família da
Lousã’.
Ana Souto deMatos
Lousã 01/09/2019
última aparição em sessão pública de Carlos Carranca no evento "Essa Palavra, Liberdade!"
a 25 de Abril de 2019 no Museu Álvaro Viana de Lemos na Lousã
por ocasião da comemoração dos 45 anos do 25 de Abril
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