domingo, 14 de junho de 2009

a ponte é uma miragem...

Prometiam-nos vagas de calor, daquelas alterosas e incisivas na pele, sobretudo nas mais alvas como a minha que num ápice passam de ‘cara-pálida’ a ‘pele-vermelha’, numa história de mocinhas e vilãs, de índios e cowboys num faroeste reinventado…
Porém, foi o nevoeiro intenso que nos acolheu e nos abraçou numa praia completamente deserta, a justificar o desnivelamento de todo um país que se transladou para Sul, para Alentejos e Algarves de sóis e mares mais quentes, seguramente!Quiaios surgia-nos tal campo de Alcácer-Quibir com névoas densas e salpicos de mar encarpelado. Apesar de tudo, a temperatura que -com dose de boa-vontade- afirmaríamos cálida, fez-nos permanecer e descobrir o sabor do sal, sentir a frescura intensa da água no corpo e da areia batida por ondas sempre enfurecidas. Esta é uma praia que se estende langorosamente por um areal-a-perder-de-vista, verdadeira força de expressão nestes dias de tons esbranquiçados.As dunas protegidas cativam-me os sentidos. Sinto que aprendo com esta flora resistente às tempestades de mar e de terra, a crescer como mulher e a enfrentar a vida, tentando não perder o sonho!
Ousamos fazer um lanche na praia… um verdadeiro piquenique preparado carinhosamente para pinhais ensolarados. Não obstante, optamos por enfrentar o tempo e a areia e, sobre as toalhas estendidas, saboreamos a tarte de legumes, o tomate temperado, o bolo de laranja -ainda mornos da confecção matinal-, manjar desfrutado e partilhado com um horizonte inteiro só para nós e que nos obriga a caminhadas de encontro ao Cabo, ali tão perto, ali tão distante. O Cabo Mondego ergue-se altivo e crespo, batido pelas águas alterosas de correntes contraditórias. Pelo caminho, encanto-me com as bolhinhas de espuma, com a brancura das batidas do mar sobre a areia a recordar-me neves de invernos de montanha.Mas o tempo, realmente, enrola-se sobre si e sobre nós e vencidas corremos atrás do sol. Partimos na sua busca para lá das escarpas e encontramo-lo, agachado, sobre as praias de Buarcos e da Figueira da Foz… assentamos arraiais, de novo… mas na verdade não por muito tempo… um duche fumegante que nos revigora -tomado em banheiro de praia- deixa-nos cheirosas e libertas de maresias e salpicos de areia prontas para seguir para o interior, para a festa da "terrinha" (com um sorriso complacente no rosto) para a qual havíamos sido convidadas, insistentemente, com meses de antecedência… poderíamos nós lá falhar a esse compromisso nunca assumido mas interiorizado!
As novas auto-estradas permitem-nos chegar em pouco mais de uma hora a Cedrim, freguesia a 'paredes-meias' com o rio Vouga, no concelho de Sever. É uma terra já com alguma dimensão que se engalana para as suas festas… e que nos surpreende com a qualidade dos festejos. A simplicidade impera, na sua melhor expressão. Numa eira comunitária, inúmeros espigueiros –canastros, por estas paragens- servem de palco à festa. Banquinhas armadas pelas meninas e senhoras da terra, sob as latadas já cheias de cachos verdes, mostram e vendem os produtos locais, os bolinhos, as compotas, os licores, o artesanato mais tradicional e o que resulta de criatividades mais recentes. O grupo de jovens da terra anima as festividades e a organização por conta da Junta de Freguesia afadiga-se em torno da tasca de comes e bebes. Um novo jogo faz a delícias dos homens maduros e dos imberbes… em redor de um troco de madeira, os pregos com 20 cm de altura vão sendo martelados numa cadência de uma pancada, mais ou menos certeira, por jogador… o último, ficará responsável pela rodada de cerveja…
O anfitrião faz-nos as honras da casa… afinal, somos veraneantes em terra alheia, para além de que a amizade ainda tem posto por estas bandas … comemos frango e rojões e um pão com chouriço divinal ainda quente a sair do forno. É uma festa acolhedora, como são acolhedores os amigos que nos recebem.
A noite cai e no palco o espectáculo começa. Antigo ícone da música pop-rock portuguesa, um grupo liderado por Luís Portugal dos Jáfumega da minha juventude, apresenta um programa de qualidade superior que intercala rábulas com sucessos musicais mais ou menos recentes, parodiando ou elevando músicos e situações. Três homens em palco que com o seu espectáculo completo fazem vibrar a pequena multidão de Cedrim e arredores. Todos cantam, todos dançam, músicos e espectadores interagem. Ninguém se preocupa com as horas perante um Domingo, ainda tenro de minutos.
Porém, para nós uma viagem mais ou menos longa nos espera e a noite já caminha para o novo dia.

Nos ouvidos ainda nos ecoa, ao longo dos quilómetros que palmilhamos, os sons melodiosos. E para combater o sono que teima em se instalar, vamos trauteando “a ponte é uma passagem para a outra margem”…

...”a ponte é uma miragem”!
assumida verdade da minha vida...

4 comentários:

  1. DIVINAL!!! Como só tu saberias descrever...Parabéns pelo teu olhar sobre a minha terra. Sempre que voltares sente-te como se fosse tua. Cedrim tem alguns defeitos mas também tem imensas virtudes, uma é a de saber receber. A 2ª. Mostra de Cultura, Artesanato e Gastronomia dissipou as dúvidas (se que ainda existiam!).

    ResponderEliminar
  2. Um dia cheio de tantas coisas boas: o mar, o piquenique delicioso, a sesta na areia, a perseguição ao sol, o duche de água quente, a viagem à terrinha desconhecida, a simpatia dos "cedricenses" (será que esta palavra existe???), o espectáculo inesperado e por fim a viagem de regresso na companhia de duas "pessoas necessárias"...
    um beijo...
    (des)Graça

    ResponderEliminar
  3. Muitos parabéns, pois o texto não podia estar melhor.
    Fazendo parte desta maravilhosa terra, agradeço pelas palavras escritas, pois é com testemunhos das pessoas que nós nos vamos tornando melhores.

    Obrigado, e voltem sempre,Cedrim é uma freguesia aberta para o mundo.

    Rui Pires da Silva

    ResponderEliminar
  4. Maria,
    Achei seu blog por mais puro acaso, nessas buscas que fazemos na rede sem maiores pretensões, e eis que me deparo com suas belas e leves palavras, lindas fotos, delicadas. Vou ler mais. Fica um abraço de além-mar. Letícia, de Brasília, Brasil

    ResponderEliminar

Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

Todos os direitos estão reservados.

São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.