quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Quase nada para contar…

Olho para trás…
365 dias antecedem o dia de hoje…

Inevitavelmente, recordo-os…
quase um a um…
os dias bons
os dias maus
os terrivelmente maus
aqueles sem qualquer história especial…

Observando bem a primeira parte do meu ano
saltaria de bom grado, afoita e veloz, a linha da minha vida
assim à laia de regato que se ultrapassa de uma assentada só
não se desejando molhar o pé na água gélida…

porventura serei injusta…
quantas manifestações de carinho ou simplesmente apreço perderia
quantas vivências, experiências, cumplicidades, descobertas…
ou apenas o processo de reaprender a ser…

Evitaria porém
o sofrimento atroz de quem se ama
a dor da perda
a tristeza e a solidão dos dias
as palavras justas ou injustas que se ouviram ou proferiram
as ideias mal formadas, as dúvidas, as inseguranças, os insucessos…

Olho para os 365 dias que antecedem o dia de hoje e,
não conseguindo de todo evitar,
balanço sobre os tempos mais ou menos longos, mais ou menos breves
num limbo desconcertante ou
talvez
numa espiral que rodopia incessantemente e me deixa afogueada

O que senti?
O que mudei nos outros?
O que fiz?
De que gostei?
O que recebi?
O que mudei em mim?
Como me dei?

Faço um balanço e tento descortinar um momento verdadeiramente bom nos 365 dias do meu ano
um momento único
meu, só meu

De tão simples, quase nada para contar!
O silêncio dos homens… os sons da natureza vibrante e envolvente…
A escuridão quase total, também…
O calor acolhedor…
A tranquilidade…

E sobretudo a paz, quase palpável de tão presente!

Olho esse momento breve com olhos de saborear…
Senti-me quase feliz nesse momento fugaz,
tão leve… sem pressões no coração,

sem pensamentos duros, sem mágoas…
leve…
tão leve de tudo…menos
do silêncio dos homens,
da escuridão envolvente,
dos ruídos da natureza,
do calor e

da partilha do próprio momento…
tão leve de tudo
talvez até, de nada em especial!

Olho os meus últimos 365 dias e elejo um momento que
de tão simples, tão singelo
quase nada para contar!

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Montes de Sonhos!

Mesmo que recue ao mais recôndito da minha memória,
não me recordo de alguma vez sequer
–chegada a época das luzes e da euforia,
do amor apregoado aos molhos e
da alegria e paz dos votos que se desejam e anseiam-
não me recordo uma vez sequer de não ter feito a árvore de Natal -carregando-a de cores e de esperanças-,
de não ter colocado as figuras no meu presépio -numa manjedoura improvisada de uma caixa velha bem coberta de musgo para disfarçar-
ou colocado, ainda, a estrela luminosa na janela da sala como que a alardear ao mundo a ditosa ventura de interiorizar e assumir o espírito da época.


Entre novos conceitos que por aí despontam em torno do “Christmas Blue”, o esbaforido das pessoas em stress, as músicas alusivas repetidas à exaustão nos supermercados, a obrigatoriedade das prendas ou dos sms, dos votos e de toda uma parafernália colorida, barulhenta e a maior parte das vezes oca, o facto é que não consegui assumir –e na verdade, nem sequer me apeteceu!- os ícones natalícios e os simbolismos habituais
(e até porque na casa dos pais o Pai Natal assentou arraias !!!!)

Ao invés, troquei as bolas coloridas da árvore pelas pessoas que me rodeiam, as luzes das gambiarras por gestos e carinhos meus; as imagens do presépio pelos meus próprios sentimentos e jeito de ver e sentir as coisas… optei por isso… por fazer deste tempo de Natal, um tempo mais cheio de mim para os outros. Quer os outros entendessem ou não o sentido!
Não, este ano não fiz a árvore de Natal!

Mas fiz sonhos!
Duas montanhosas taças de sonhos fofos e, doces da calda gomosa e suculenta com suaves toques de paladar a limão e a laranja e a canela e a muito açúcar.
Sonhos idênticos aos que -desde sempre- faziam a Avó Glória resplandecer de cobiça e desejo ou o olhar do Francisco transformar-se em olhar de criança rabeta e gulosa que à socapa rouba o doce predilecto.
Que faltasse a árvore...

que faltasse o presépio,
mas que não faltassem os sonhos! Mesmo que os braços, as mãos e os nós dos dedos ficassem doridos na tarefa de sovar a massa ainda quente ou de incorporar os ovos viscosos.
No meu Natal houve uma lareira a encalorar o corpo e sonhos a adoçar a boca e a aquecer o coração…
Montes de sonhos!

sábado, 13 de dezembro de 2008

A minha própria citação ou “quem não se sente não é boa gente…”

Fico na dúvida de qual o título a dar a este arrazoado de palavras que, porventura, só fará sentido para alguns…

“Ser capaz de mostrar aos outros a sua própria alma, o seu próprio âmago é um acto de coragem, de inteligência e de respeito”.




Se eu afirmasse que a autoria desta frase era de fulano ou de beltrano, entre filósofos e humanistas que povoam as nossas estantes da sala, teria certamente captado leitores atentos e ávidos de seguirem o meu raciocínio até ao final desta mais ou menos breve dissertação em formato de mera anotação.

Infelizmente, a frase não é de ninguém importante, é somente uma ideia minha que à laia de citação encaixa no espaço de vinte e quatro palavras, o formato quase ideal da minha própria essência e do fio condutor da minha vida, enfim uma verdade ou uma semi-verdade –depende do grau de coragem, inteligência, respeito ou simplesmente delírio emocional- em que acredito!
Trata-se meramente de uma frase feita quase que assim “às três pancadas” como por aí se diz na gíria do dia-a-dia, que serve para demonstrar que as citações tanto podem dizer muito, ou tudo, como podem não dizer absolutamente nada, podem apenas contextualizar ou podem até servir os propósitos de quem não tem capacidade para criar as suas próprias.
Tendo por base estes pressupostos desta já extensa introdução, avanço…

Hoje (que é como quem diz, porque o hoje já foi ontem e ontem vivi e senti e hoje escrevo o hoje de ontem), hoje estive num local onde uma centena e pouco de pessoas evocavam (ia escrever ‘partilhavam’ mas ocorreu-me que pudesse ser uma palavra excessiva e, no contexto, quase ofensiva), evocavam, dizia, o final de um longo período de década e meia em que trabalharam em conjunto em prol de um objectivo –ideal?- comum. Um período em que conheceram as suas terras e trabalharam para as gentes dessas terras, dedicando-se quase a uma espécie de causa com muitos contornos de missão. Enfim, essa centena e pouco de pessoas culminavam o fim de um ciclo de muitas vidas e projectos, de ideias e trabalhos, de desilusões e compassos de espera, de sonhos e estímulos, de dificuldades e perseveranças, de feitos e fracassos.

Ali estava eu, ouvindo quem tinha alguma coisa para transmitir e houvera sido convidado exactamente para esse efeito e mal continha as lágrimas, expressão simples de quem sente por dentro as emoções das coisas e das situações.

Eu, ali, a morder os lábios roxos de frio –ora o superior, ora o inferior- e a fazer um esforço e um esgar sobre-humano que me deformava as feições para conter a minha persistente espontaneidade, sentindo-me tola e fora de contexto.

Falavam uns com a certeza das coisas lúcidas, outros de como e de quando começaram a perceber o sentido das coisas, outros a afirmar que o sentido das coisas tinha de ser reequacionado, outros ainda a dizer que coisas novas despontavam no horizonte e eu, a olhar em volta e a ver os lugares vazios ali ao lado…

e eu, a ocupar os lugares vazios com pessoas que deveriam ali estar obrigatoriamente, cuja presença daria, decerto, mais sentido e alma às próprias coisas;

e eu, a não compreender porque os presentes banalizavam o momento;

e eu, a magoar-me com a teimosia das minhas lágrimas que me ameaçavam com a sua puerilidade ou susceptibilidade ou sensibilidade ou mera estupidez ou como lhes queiram chamar que afinal vai dar tudo ao mesmo;

e eu, a pensar se o certo desdém ou troça com me rodeavam seria um apurado disfarce de sentimentos ou um aturado empedernimento da própria vida ou uma indiferença ou um cumprir de calendário e obrigações ou um deficit de inteligência emocional ou o quer que fosse… afinal como diz o povo “quem não se sente não é boa gente”…

e eu, a continuar a olhar em volta e a sentir o vazio das cadeiras e o sentido diferente que impregnariam às coisas, se estivessem ocupadas por uma Rosário, uma Ana ou uma Maria, por um Francisco ou pelo João, por uma Paula, pelo Luís, por um Samuel e por um Camilo, pelo Henrique, pela Ana Paula e pela Cristina, por tantas mais pessoas que também fizeram parte dos anos, dos meus anos e que, de alguma forma, fazem parte ainda. Tanta gente que devia ali estar e encher a sala e contribuir para que o momento fosse ele próprio simbólico, com significado, com sentido! Sim, a sala deveria estar cheia de emoção.

Hoje, estive num local efectivamente cheio de gente, gente conhecedora da vida e dos meandros das políticas, dos mecanismos, dos processos. Gente muito madura, de ideias firmes e fartas, a rebentar de definições, realizações, concretizações, certezas e sabe-se lá que mais do mesmo teor mas, essencialmente, estive num espaço de gente sem emoção, quase banal na sua forma de estar no mundo.

E, no meio de tudo isto, já no meu próprio limite de resistência emocional, entre a beleza gélida do local e a frieza do evento, o toque de diferença que permitiu manter a minha sanidade e a minha sempre renovada fé nas pessoas e nos meus próprios valores, surgiu em forma de três abraços.

Obrigada Manuela! Obrigada Jesus! Obrigada Aida! pelo vosso abraço apertado, sentido e carinhoso e por terem tido a coragem, a inteligência e o respeito de partilharem comigo a vossa tristeza, da qual também comungo.
Foram vocês que deram sentido ao meu dia!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

a vida é ali à frente...

É como se eu estivesse num miradouro…
-tentem ver com os meus olhos, conseguem?-
Num plano alto sobre a vila,
ou sobre o vale…

É como se eu própria fosse o miradouro…
e a paisagem, ali à frente…
logo abaixo…
fosse a minha própria vida!

Contemplo-a… sem devaneios!
Assim como que pairando sobre ela…

A vida é ali à frente…
Quase a toco…
Quase!

De tanto a contemplar
começo a sentir uma certa violência a crescer dentro de mim!
Talvez apenas uma espécie de violência…
ou talvez apenas energia…
ou fúria...
eventualmente delírio!


Porventura, uma vontade de abanar o mundo
ou, talvez, apenas as pessoas
... apenas a mim própria!
Não sei bem, ainda!

Apetece-me gritar até o coração saltar para a boca
-figurativamente, claro! Não se choquem as almas mais sensíveis-
e fique à vista de todos.
Para que se apercebam, de tão evidente, de tão óbvio…
que é rubro
palpita de sangue e de vida
pulsa e
impacienta-se
tão-somente
em ser feliz!

sábado, 6 de dezembro de 2008

sem máquina fotográfica à espera de um milagre…

Lisboa…
Passo dois dias na cidade grande, que conheço de cor, ruas palmilhadas vezes sem conta em vidas de outrora.
Sinto-me bem nesta cidade! Gosto do seu fluir, da diversidade humana que se cruza e entrecruza em quotidianos fervilhantes.
Sinto porém um quê de provinciano em mim em cada vinda.
Serrana assumida, a cidade grande surge apenas em fins-de-semana familiares para périplos culturais ou por obrigações profissionais, como é o caso.
Ultrapassadas estas, ouso permanecer mais uma noite contornando a rotina dos dias.
Porém, passada a euforia da decisão, cambaleio em dúvidas.
O serão decorre intranquilo e sem facilidades. É quase obrigatório partilhar o passado recente e este surge sofrido e duro. À minha volta pessoas sorriem, gargalham antevendo o fim-de-semana longo em noite que se espera de formato “king-size”.
Apesar da hora tardia que regresso ao hotel, a noite arrasta-se e pela manhã, bem cedo, encontro-me em frente ao rio, ansiando por um milagre que dê sentido ao momento, quem sabe? à própria vida.
O dia nasceu cinzento e as nuvens adensam-se num tom-sobre-tom do antracite ao cinza claro… no horizonte, descortino a custo onde termina o céu e começa a água. É uma manhã tranquila esta com que me deparo. Turistas passeiam por ali, senhoras de meia-idade caminham energicamente na calçada falando sobre os presentes de Natal, jovens atléticos percorrem o espaço em bicicleta num esforço contínuo de se manterem vigorosos e com ar viril.
Apesar do fervilhar da cidade grande que pressinto nas minhas costas e de ser constante a zoada de fundo, paira junto a mim um certo silêncio tranquilizador.
Um barco na doca parte ao som de uma sineta insistente para um passeio pelas margens do rio. Ouço risos alegres de quem está a apreciar a pequena aventura. A maré no seu eterno ciclo de ir-e-voltar, lentamente leva, por umas horas, a água do rio para o mar.
Quase chove…
Uns acordes de guitarra soam. Por detrás de um pilar um jovem dedilha e exercita insistentemente uma determinada composição, que não consigo identificar. Faço dessa melodia a minha própria melodia.
Sinto a falta da minha máquina fotográfica, extensão da minha mão e do meu olhar, que capta e regista os detalhes que irão mais tarde ocupar os meus vazios.
As horas que me separam da segurança pacata dos meus dias passam lenta mas decididamente.
E o milagre acontece…
pequeno mas sublime…
do céu, escuro e denso, por alguns minutos apenas, um minúsculo raio de luz incide directamente sobre mim acariciando-me os cabelos, aquecendo-me o coração…
e eu, finalmente, deixo de me sentir só.

Autoria e Agradecimento

Todos os textos e imagens são de autoria de Ana Souto de Matos.

Todos os direitos estão reservados.

São excepção as fotografias do Feto Real e do Cardo que foram cedidas pelo João Viola e 2 imagens captadas na Net sem identificação de autor.