Fico na dúvida de qual o título a dar a este arrazoado de palavras que, porventura, só fará sentido para alguns…
“Ser capaz de mostrar aos outros a sua própria alma, o seu próprio âmago é um acto de coragem, de inteligência e de respeito”.
“Ser capaz de mostrar aos outros a sua própria alma, o seu próprio âmago é um acto de coragem, de inteligência e de respeito”.
Se eu afirmasse que a autoria desta frase era de fulano ou de beltrano, entre filósofos e humanistas que povoam as nossas estantes da sala, teria certamente captado leitores atentos e ávidos de seguirem o meu raciocínio até ao final desta mais ou menos breve dissertação em formato de mera anotação.
Infelizmente, a frase não é de ninguém importante, é somente uma ideia minha que à laia de citação encaixa no espaço de vinte e quatro palavras, o formato quase ideal da minha própria essência e do fio condutor da minha vida, enfim uma verdade ou uma semi-verdade –depende do grau de coragem, inteligência, respeito ou simplesmente delírio emocional- em que acredito!
Trata-se meramente de uma frase feita quase que assim “às três pancadas” como por aí se diz na gíria do dia-a-dia, que serve para demonstrar que as citações tanto podem dizer muito, ou tudo, como podem não dizer absolutamente nada, podem apenas contextualizar ou podem até servir os propósitos de quem não tem capacidade para criar as suas próprias.
Tendo por base estes pressupostos desta já extensa introdução, avanço…
Hoje (que é como quem diz, porque o hoje já foi ontem e ontem vivi e senti e hoje escrevo o hoje de ontem), hoje estive num local onde uma centena e pouco de pessoas evocavam (ia escrever ‘partilhavam’ mas ocorreu-me que pudesse ser uma palavra excessiva e, no contexto, quase ofensiva), evocavam, dizia, o final de um longo período de década e meia em que trabalharam em conjunto em prol de um objectivo –ideal?- comum. Um período em que conheceram as suas terras e trabalharam para as gentes dessas terras, dedicando-se quase a uma espécie de causa com muitos contornos de missão. Enfim, essa centena e pouco de pessoas culminavam o fim de um ciclo de muitas vidas e projectos, de ideias e trabalhos, de desilusões e compassos de espera, de sonhos e estímulos, de dificuldades e perseveranças, de feitos e fracassos.
Ali estava eu, ouvindo quem tinha alguma coisa para transmitir e houvera sido convidado exactamente para esse efeito e mal continha as lágrimas, expressão simples de quem sente por dentro as emoções das coisas e das situações.
Eu, ali, a morder os lábios roxos de frio –ora o superior, ora o inferior- e a fazer um esforço e um esgar sobre-humano que me deformava as feições para conter a minha persistente espontaneidade, sentindo-me tola e fora de contexto.
Falavam uns com a certeza das coisas lúcidas, outros de como e de quando começaram a perceber o sentido das coisas, outros a afirmar que o sentido das coisas tinha de ser reequacionado, outros ainda a dizer que coisas novas despontavam no horizonte e eu, a olhar em volta e a ver os lugares vazios ali ao lado…
e eu, a ocupar os lugares vazios com pessoas que deveriam ali estar obrigatoriamente, cuja presença daria, decerto, mais sentido e alma às próprias coisas;
e eu, a não compreender porque os presentes banalizavam o momento;
e eu, a magoar-me com a teimosia das minhas lágrimas que me ameaçavam com a sua puerilidade ou susceptibilidade ou sensibilidade ou mera estupidez ou como lhes queiram chamar que afinal vai dar tudo ao mesmo;
e eu, a pensar se o certo desdém ou troça com me rodeavam seria um apurado disfarce de sentimentos ou um aturado empedernimento da própria vida ou uma indiferença ou um cumprir de calendário e obrigações ou um deficit de inteligência emocional ou o quer que fosse… afinal como diz o povo “quem não se sente não é boa gente”…
e eu, a continuar a olhar em volta e a sentir o vazio das cadeiras e o sentido diferente que impregnariam às coisas, se estivessem ocupadas por uma Rosário, uma Ana ou uma Maria, por um Francisco ou pelo João, por uma Paula, pelo Luís, por um Samuel e por um Camilo, pelo Henrique, pela Ana Paula e pela Cristina, por tantas mais pessoas que também fizeram parte dos anos, dos meus anos e que, de alguma forma, fazem parte ainda. Tanta gente que devia ali estar e encher a sala e contribuir para que o momento fosse ele próprio simbólico, com significado, com sentido! Sim, a sala deveria estar cheia de emoção.
Hoje, estive num local efectivamente cheio de gente, gente conhecedora da vida e dos meandros das políticas, dos mecanismos, dos processos. Gente muito madura, de ideias firmes e fartas, a rebentar de definições, realizações, concretizações, certezas e sabe-se lá que mais do mesmo teor mas, essencialmente, estive num espaço de gente sem emoção, quase banal na sua forma de estar no mundo.
E, no meio de tudo isto, já no meu próprio limite de resistência emocional, entre a beleza gélida do local e a frieza do evento, o toque de diferença que permitiu manter a minha sanidade e a minha sempre renovada fé nas pessoas e nos meus próprios valores, surgiu em forma de três abraços.
Obrigada Manuela! Obrigada Jesus! Obrigada Aida! pelo vosso abraço apertado, sentido e carinhoso e por terem tido a coragem, a inteligência e o respeito de partilharem comigo a vossa tristeza, da qual também comungo.
Foram vocês que deram sentido ao meu dia!
Lindo!
ResponderEliminarQuando vamos ter um livro teu, com palavras e fotos que são tão deliciosas de ver e sentir?
Continua...
Edgar
Como provavelmente a maioria – excepto uma meia dúzia que calculava no que se estava a meter e a construir – também cheguei a isto por acaso, para aí há uma dúzia de anos…
ResponderEliminarMas mesmo nós, os que chegámos por acaso, não ficámos por acaso! Ficar e crescer, com isto – e uns com os outros – já fez e faz parte de uma opção consciente. E, por isso, chateou-me não estar. Mas onde eu queria mesmo estar não era nesse sítio, nessas circunstâncias, (só) com essas pessoas. E então, por isso, como faço muitas vezes com uma boa dose de cobardia à mistura, não estive. Claro que tratei de arranjar uma série de desculpas e compromissos de agenda profissional e familiar, que serviram aos outros e – até agora – também me tinham servido a mim.
Tu estiveste e foste corajosa, mais uma vez.