A vida é uma estrada... li hoje numa daquelas frases-chavão que abundam nos nossos espaços virtuais, uma comparação-cliché, certa, usada, abusada de sentido-de-tudo-em-coisa-nenhuma.
Sim, sem espaço para dúvida, uma estrada, um caminho, uma rota, um trilho, uma auto-estrada, um percurso, uma picada, um rio, um riacho, uma linha. Tantas imagens, para ilustrar os dias que se seguem um após o outro, tão anónimos, tão sublimes, tão públicos, tão só-nossos, tão intensos, tão vazios.
A vida é uma estrada, li! E no dia de hoje, 13 de Outubro, a frase-feita, quase desinteressante de tão banal, evolui no meu pensamento. Não da mesma forma e como teria sido habitual noutras alturas, para o espaço já percorrido, sinuoso e agreste como trilho de montanha, mas para o presente, para a minha condução de hoje que, em estrada mais ou menos direita e tranquila, me faz baixar o nível de atenção.
Não necessito de sentido apurado para conduzir em estrada plana, basta controlar a velocidade, atenta às viaturas que me precedem e às outras que sigo, às ultrapassagens aqui e acolá. Deste modo, torna-se relativamente fácil desfrutar da paisagem e dos sons do rádio, em momentos sem grande história mas que me mantêm mais ou menos tranquila. Uma condução sem avidez de chegar ao destino, a um qualquer destino, palmilhando quilómetros afoitos e suados, mas sim uma condução que me permite interiorizar o gosto, o prazer da própria viagem.
Para trás, encruzilhadas de acerto difícil, desastres catastróficos com colisões frontais e viaturas danificadas com final directo na sucata, cruzamentos e entroncamentos para respeitar sinalização de prioridade, aparcamentos de beira de estrada em momentos de dúvidas, reflexões e hesitações, embates certeiros em relvados de rotunda ou, simplesmente, abandono da viatura quando o jeito de condução se encontrou inibido.
Para trás, também,tanta coisa que encheu a minha viagem. Alguma bagagem deixou de ter espaço no meu carro. Vou-me desfazendo dos volumes menos interessantes, daqueles que não me deixam quaisquer saudades da sua existência. Para esses deixo de ter espaço na minha bagageira. Escolho, pois, aqueles que mais acarinho. Bagagem que quero conservar como recordação de tudo o que sou.
Continuo a viagem. Transporto a meu lado os que quero e aqueles que me querem. Às vezes, dou uma ou outra boleia. Muitas vezes, prossigo o caminho apenas na minha própria companhia. Aproveito esses momentos para divagar em pensamentos. Sobretudo todos aqueles que não ouso quando estou acompanhada, com medo que os descubram e desvendem na minha transparência de ser e de estar. Ouso sonhar e acalentar os mundos que há em mim, para os alimentar de cores e os tornar belos a meus olhos. Às vezes, só a meus olhos! Outras vezes, encontro também os olhos dos outros depositados em mim. E sinto agrado nesse olhar.
Abasteço de combustível a viatura com os detalhes do caminho. Os pormenores que me encantam e focalizam o olhar naquilo que importa, que me importa.
Não uso o GPS, essa modernidade tecnológica que não necessito perante o meu dom assumidíssimo de orientação, face aos pontos cardeais reconhecidos pela posição do sol ou das estrelas … prefiro seguir ao sabor dos caminhos com que me deparo, quase como por instinto, sem rotas delineadas em cartografias de papel.
Sigo a estrada da vida, dessa vida que é uma estrada na frase-feita que hoje li.
A paisagem é bela se continuar a ensinar o meu olhar a contemplá-la com olhos de sentir.
E toda a linha do horizonte clama por mim!
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