A Madeira é reconhecida para além de todas as suas particularidades físicas e naturais, culturais e até políticas pelos seus bordados elaborados, exigentes na confecção dos delicados pontos.
Desde sempre reconheci os bordados da Madeira… a minha própria avó era exímia nas artes de desenhar com agulha e linhas e possuía alguns exemplares de toalhas e panos de tabuleiros bordados nessa típica sabedoria.
Extraordinariamente, nunca até à data tinha ido ao Arquipélago da Madeira, sendo o único ponto do meu país ainda desconhecido para mim.
Viajei pois até à Ilha encantada, tão declamada desde tempos quase imemoriais para a descobrir para além dos seus bordados…
ou melhor, para descobrir outros bordados...
tecidos na própria natureza, pródiga em pontos diáfanos e pujantes de vida,
tecidos nos sabores ora delicados, ora intensos,
tecidos nos odores a mar e flores numa mistura inebriante,
tecidos no sotaque que aperta e contrai as vogais, nos termos característicos, nos aspectos da vida local, na cultura própria…
Passeei pela cidade, pelo campo e pelas montanhas…
por todo o lado o mar intensamente azul que nos acompanha permanentemente…
olhei a terra a partir do mar…
A cidade do Funchal surge mais bonita à noite, quando as suas luzes percorrem toda a paisagem, escalando as colinas e as veredas íngremes a partir do núcleo histórico e do porto junto à baía.
No casco mais antigo, as fachadas e as próprias casas estão cuidadas, as praças, pracetas e recantos são agradáveis, emoldurados por árvores como os jacarandás e as sumaúmas. São inúmeros os jardins e ao meu nariz de faro apurado chega-me um aroma constante de odores florais e quentes.
As flores são diferentes das que estamos habituados no continente. Vestidas a rigor nos seus fatos típicos as vendedeiras oferecem aos turistas próteas, antúrios e estrelícias.
O sino da Sé Catedral não me deixa perder o tempo e as badaladas ecoam à hora certa.
Subindo ao Monte pelo teleférico, descubro a paisagem mais lá do alto e, depois de percorrer o Jardim Tropical, observo os Carreiros na jogatina para quebrar os tempos mortos antes de matarem de susto os turistas que corajosamente se lançam pela encosta abaixo nos cestos vetustos. Parece-me uma vida dura a destes homens que me observam com alguma desconfiança face à minha máquina fotográfica.
O regresso é seguramente mais tranquilo pelo teleférico permitindo observar o casario. Sigo para o Pico dos Barcelos e para o centro da ilha (tão longe para os locais, mas apenas a uns escassos 16 ou 17 quilómetros, fazendo recordar que como tudo, até a própria distância é relativa).
A vegetação torna-se densa. Recorda-me a minha serra e encontro ao lado de plantas autóctones como o massaroco com o seu roxo vibrante, os fetos reais de dimensões quase gigantescas, a par da urze delicada em tons suaves de violeta ou das suaves fijis, os tímidos cogumelos escondidos nos recantos do caminho.
Na Eira do Cerrado, vislumbro quase 500 metros a pique –o que me permite verdadeiras fotografias aéreas- a vila do Curral das Freiras. Outrora, o centro da cratera do vulcão, a vila é um dos poucos locais da Madeira onde não se contempla o mar. A sua comunidade vive cercada de montanhas e de verde e a estradita que a percorre é recortada em curvas e contracurvas apertadas. Quando o povo da terra quer saber do estado da maré, olha para as pupilas de um gato e se a menina do olho se encontra na horizontal então ficam com a certeza de que esta está cheia… afirmam que a fórmula é infalível e eu, descrente de tal facilidade, prometo mais tarde confirmar.
Em Câmara de Lobos, vila piscatória, aprendo a história da pesca do peixe-espada preto que mais tarde saboreio em deliciosos filetes cobertos por banana frita e semilhas cozidas (batatas para os continentais), porventura oriundas das férteis fajãs (leiras de terreno junto ao mar). Terei tempo, depois, para provar o bolo do caco com manteiga de alho, os milhos fritos, o bolo de mel, o vinho da Madeira. Não ouso fazer o mesmo com a poncha, uma mistura de aguardente de cana com mel e limão. Nas encostas deste concelho, proliferam as pequenas plantações de bananeiras. Não há quintal que se preze que não possua pelo menos uma dúzia de árvores, todas escoradas como protecção dos fortes ventos marítimos.
O Cabo Girão, o promontório mais alto da Europa e o segundo maior do mundo, ergue-se imponente sobre o mar do alto dos seus seiscentos e tal metros. Terei oportunidade de o observar de perto, mais tarde, a bordo da nau de Colombo.
as tuas viagens continuam a ser uma lufada de ar fresco. a descrição que fazes dos locais e o momento em que ocorrem demonstram o teu dom para as tuas palvras e para o teu olhar.
ResponderEliminargostava, no entanto, de ler as tuas sensações experienciadas após uma descida com os carreiros! :)
Texto e fotos muito interessantes. Apenas dois comentários correctores: O Curral das Freiras não está situado numa cratera de antigo vulcão! A paisagem foi simplesmente esculpida pela erosão. E o Cabo Girão não é o mais alto da Europa nem o segundo mais elevado promontório do mundo! Tanto a nível europeu (7º?) como mundial fica muito aquém.
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