Esquece a forma como escreveste até ao dia de hoje. Esquece o que não és. Deixa para trás as palavras usadas, coçadas pelo desgaste, sempre as mesmas, a rodear o que tem sentido para os outros, mas deixou de ter sentido para ti. Deita-as fora! Às palavras. Agarra o que for que pressuponha novas imagens. Deixa de lhes ser servil. Para tal, conjectura largar também a pele, a tua pele. Arranca-a. Aquela com que teimas, repetidamente, revestir sem novidade as palavras, as frases, as histórias. Esquece os vocábulos velhos. Permanecem belos mas estão gastos, enfartam já o estômago que existe no pensamento de todos os leitores, deixando-os com azia da comida repetitiva de paladares e olfactos e com fluidos biliares acidulados que obrigam a pastilhas que impeçam indigestões cerebrais. Larga tudo. Provoca um motim dentro de ti e escreve para além do que sentes e observas. Deixa de fazer o agradável, o airoso, o gentil e todos esses adjectivos adocicados com que revestes as palavras para as tornar supostamente felizes e soalheiras. Sai de ti, do teu olhar, do teu timbre, do teu cheiro, do teu paladar, do teu toque. Escapa a esse cativeiro a que, por vontade própria, te subjugaste. Esquece. Sai. Só assim principiarás, com efeito, a aventura, uma outra. Provoca-te. Incita-te. Estimula-te à descoberta. Escolhe outras palavras!
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